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Corrupção e desigualdade, o grande obstáculo da África do Sul democrática

03/05/2019 20h52

Nerea González.

Johanesburgo, 3 mai (EFE).- Passados 25 anos desde o fim da segregação racial do apartheid, os sul-africanos votarão nas eleições gerais do dia 8 de maio em um país desgastado pela corrupção e com um dos maiores níveis de desigualdade do mundo.

Embora a África do Sul seja a nação mais industrializada do continente, segundo as últimas estatísticas oficiais (divulgadas em 2018, com dados de 2014 e 2015), mais da metade dos cidadãos vive na pobreza.

Esses números revelam que a maioria negra continua sem chances de sair das camadas mais desfavorecidas da sociedade após 25 anos de democracia.

A pobreza não só afeta toda a população de forma desigual, mas, além disso, veio piorando nos últimos anos, tanto em termos de número de pessoas afetadas como de distância entre os mais ricos e os mais pobres.

"Não podemos ser uma nação de gente livre quando tanta gente ainda vive na pobreza", afirmou o atual presidente, Cyril Ramaphosa - que concorre a um mandato de cinco anos -, durante os recentes atos de comemoração do 25º aniversário das primeiras eleições democráticas do país, que foram vencidas por Nelson Mandela em abril de 1994.

Muitos atribuem a culpa pela turbulência do país ao partido de Ramaphosa e Mandela, o Congresso Nacional Africano (CNA), que governa a África do Sul ininterruptamente desde então e também é majoritário em nível provincial e local.

A situação se agravou especialmente durante o mandato de Jacob Zuma, de 2009 a 2018, com um governo cheio de escândalos de corrupção que o fizeram renunciar ao cargo em fevereiro do ano passado, em uma decisão forçada pelo próprio CNA.

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ÁFRICA DO SUL, AINDA SOB UMA ESPÉCIE DE APARTHEID ECONÔMICO.

Por cor de pele, a pobreza está presente em quase uma a cada duas residências ocupadas pela maioria negra do país (77% da população), em um terço das casas da população mestiça e apenas em 0,8% dos imóveis com a minoria branca (10% em termos demográficos a respeito do total de habitantes da África do Sul).

Em geral, os dados mostram que a democracia sul-africana não conseguiu incluir a população negra na economia, apesar das promessas iniciais.

Houve grandes avanços em temas como habitação, água potável e saneamento, mas, segundo o Banco Mundial, a África do Sul atual não é apenas um dos países mais desiguais do mundo, também é mais desigual que a África do Sul de 1994.

Quando a capital passou a ser governada pelos negros, o processo ocorreu de forma concentrada. O próprio Ramaphosa (um antigo sindicalista e ativista contra o apartheid que na democracia fez carreira como homem de negócios) é exemplo dessa tendência de um novo capitalismo negro.

Ramaphosa está na lista dos 20 homens mais ricos do país, na qual também aparece o cunhado, o empresário da mineração Patrice Motsepe, terceiro homem mais rico da África do Sul e o primeiro entre os negros.

O elevado índice de desemprego (que beira 27%) e o fraco crescimento econômico dos últimos anos (0,8% em 2018) dificultam as soluções para este cenário de pobreza e desigualdade.

Durante o primeiro semestre de 2018, a África do Sul chegou inclusive a entrar em recessão, afetada principalmente pela contração do setor agrícola depois de uma grave seca, mas se recuperou no segundo trimestre.

Por volume do Produto Interno Bruto (PIB), a economia sul-africana é a segunda maior do continente, sendo superada apenas pela da Nigéria.

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A PRAGA DA CORRUPÇÃO.

Além desses problemas, o país convive com a cultura da corrupção e o clientelismo se infiltrou - sobretudo na última década - no modo de operar o país, minando a confiança dos investidores estrangeiros e locais, e também do restante da população.

"Estivemos em um ambiente de muito pouco crescimento. Acredito que isso tem a ver com a liderança econômica do país, com os políticos, mas também com a confiança empresarial, que foi negativa na maior parte da última década", explicou Mike Schussler, analista da consultora privada Economists.co.za.

A desconfiança diminuiu durante o mandato de Zuma, que dizia que o país estava em "luta" e que o "inimigo estratégico" era o "monopólio capitalista branco", enquanto a Justiça o obrigava a pagar por escândalos como o de ter bancado a reforma da própria residência com dinheiro público.

A corrupção e a ineficiência marcaram presença em todos os setores e afetaram todos os tipos de instituições, como o Ministério Público, a arrecadação de impostos, as empresas públicas (até o ponto de deixar várias tecnicamente insolventes, como a gigante de eletricidade Eskom) e as unidades de polícia contra o crime organizado.

Há uma investigação em andamento para averiguar se uma família de empresários próximos a Zuma, os Gupta, chegaram a definir nomeações de ministros.

Ramaphosa, que chegou ao poder após a renúncia forçada de Zuma, "limpou" várias dessas instituições, mas os efeitos do mau uso e a quantidade de recursos perdidos por causa da corrupção demorarão anos para serem contornados.

"O custo da corrupção não são só os milhões perdidos, é a confiança do povo comum. É o fato de que agora o motorista de ônibus vai achar aceitável pegar seu dinheiro sem te dar um bilhete. A anarquia que tem sido imposta será muito difícil de mudar para Ramaphosa", argumentou Schussler.

"Além disso, a conversa nos braais (eventos com carnes grelhadas) é que 'ninguém foi preso'. E quando você vai aos shebeen (bares dos antigos guetos negros) se diz o mesmo", afirmou o economista.

Zuma está mergulhado em um processo judicial e é alvo de várias investigações, junto a outros dirigentes, mas ainda não houve grandes prisões pelos escândalos.

O ex-presidente mantém, além disso, uma influência notável dentro do partido e segue aparecendo nos grandes atos do CNA, muitas vezes junto ao próprio Ramaphosa.

Apesar de tudo, as pesquisas indicam um triunfo de Ramaphosa nas eleições, o que permitiria ao CNA manter a invencibilidade na democracia. EFE