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Velho fantasma percorre a Europa com renovadas e múltiplas abordagens

23/05/2019 19h37

Fernando Prieto Arellano.

Madri, 23 mai (EFE).- Em 1848, Karl Marx começava seu "Manifesto Comunista" com a frase "Um espectro ronda a Europa". Hoje, isso poderia se extrapolar à extrema direita, que se expande pelo continente e que, embora possa parecer paradoxal, não apresenta um rosto uniforme, mas traços comuns.

As eleições para o Parlamento Europeu, que acontecem de hoje até o próximo domingo, servirão para calcular a força real dos partidos desta linha, que já estão no governo em alguns países da Europa (Itália e Polônia), são a principal força de oposição em outros (Finlândia e Holanda), um contrapoder em alguns (França) e acabam de chegar à primeira linha da política em outros (Espanha).

É preciso ainda acrescentar a Áustria, onde até o último dia 18 de maio o partido ultranacionalista FPÖ integrava, junto com o conservador ÖVP, a coalizão de governo, que foi rompida naquele dia com a revelação de um escândalo de corrupção envolvendo o líder ultranacionalista e vice-chanceler Heinz-Christian Strache.

Alguns analistas políticos consideram que o conceito "extrema direita" tem ficado, se não obsoleto, pelo menos superado pela própria circunstância histórica.

Em declarações à Agência Efe, a professora Caterina Froio, do Centro de Estudos Europeus e Políticas Comparadas do Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po), afirma que "na extrema direita existem legendas diferentes que, por sua vez, compartilham traços comuns".

Estes partidos, segundo Froio, pelo menos oficialmente "viraram a página do fascismo e do nazismo histórico, mas se mantêm hostis aos direitos das minorias, especialmente as étnicas e religiosas" e "participam regularmente nas eleições com um apoio cada vez maior".

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DIREITA IDENTITÁRIA, DIREITA ETNOCÊNTRICA E "ILIBERALISMO".

Em declarações à Efe, Pedro Carlos González Cuevas, professor de História das Ideias Políticas na UNED e estudioso da história do pensamento conservador na Espanha, destacou que "o conceito que melhor descreve o conteúdo do projeto destes novos grupos é o de 'direita identitária".

Esse conceito, segundo o especialista, radica no fato que o interesse destes grupos "se centra na defesa da identidade nacional dos seus respectivos países, questionada tanto pelo processo de globalização e pelo modelo de construção europeia como pela emigração em massa, sobretudo de raiz muçulmana".

Por sua vez, Froio prefere falar de "etnocentrismo" e não de "identitarismo", porque "este último é um termo proposto por estas próprias legendas e cujo significado fica ambíguo".

Junto a ambos conceitos cabe situar um mais, relativamente novo, o "iliberalismo", do qual fazem eco, entre outros, analistas e cientistas políticos como o alemão Yascha Mounk.

De acordo com a interpretação de Mounk, o "iliberalismo" é uma espécie de critério político pelo qual se tenta defender a existência de uma liderança forte e honrada, que, sem deixar de ser nominalmente democrata (ou inclusive acreditando de boa fé que o é) "não tenha reparos em abolir qualquer obstáculo institucional que lhe impeça de realizar a vontade do povo".

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A DIREITA NACIONAL E CRISTÃ:"EUROPEÍSTAS POR AGLOMERAÇÃO".

É uma direita ultraconservadora, muito impregnada de critérios religiosos, que defende a ideia primordial do respeito aos valores nacionais e culturais de cada país da União Europeia (UE) como elemento aglutinante da totalidade da Europa.

Seu ideário para a Europa talvez possa ser definido como uma "soma de aspirações nacionais" com um interesse comum. Poderiam ser denominados como "europeístas por aglomeração" ou defensores de um "euroceticismo light", de acordo com a expressão usada por Guillermo Eugenio Fernández Vázquez, pesquisador da Universidade Complutense de Madri.

Um bom exemplo seria o partido polonês Lei e Justiça (PiS), cujas marcas são a defesa da identidade nacional cristã da Polônia e da consideração deste país como reduto de primeira linha contra as ambições expansionistas da Rússia.

Em declarações à Efe, um porta-voz do PiS afirmou recentemente que este é "um partido patriótico, que defende os interesses nacionais da Polônia, os valores cristãos e a família".

"Nosso partido não é eurocético, e sempre apostamos na União Europeia e na Otan. Nós não queremos uma UE configurada como um superestado centralizado, mas a nossa ideia da Europa se baseia na solidariedade, respeita a soberania das nações que a integram, evita que os países grandes tenham peso demais e limita a burocracia em Bruxelas", afirmou.

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A DIREITA EUROCÉTICA: OS "AGNÓSTICOS DO EUROPEÍSMO".

Por outro lado, existe uma extrema direita muito mais (ou totalmente) eurocética, cujos máximos expoentes seriam o italiano Liga e o francês Agrupamento Nacional, entre outros.

Estes sustentam que a Europa deve ser uma soma de nações, ou inclusive de "estados-nação", com vínculos fortes, mas muito limitados no relativo a qualquer tipo de ação além da defesa das fronteiras exteriores, dos direitos nacionais e um mercado comum meramente dedicado às transações de bens e serviços.

Poderiam ser denominados como "pseudoeuropeístas" ou "agnósticos do europeísmo", mas, em todo caso, e como ressaltou Fernández Vázquez, "estes partidos já não falam diretamente da saída da União". Agora o projeto preponderante "é conseguir uma maioria suficiente no Parlamento Europeu para transformar a UE de dentro."

Neste contexto entra em cena um personagem como o americano Steve Bannon, ex-chefe da campanha que em 2016 impulsionou Donald Trump à presidência dos Estados Unidos.

Como comenta o analista Esteban Hernández na revista digital "Magazine", para Bannon (e também para Trump), a Europa sonhada é a Europa do Brexit, mas em muita maior escala: uma soma de Estados debilitados com os quais se pode negociar em vantajosos termos para uma das partes. EFE