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Universidade lança 2ª edição de livro sobre jornal feminista argentino

18/06/2019 06h01

Carmen Herranz.

Buenos Aires, 18 jun (EFE).- Passados 123 anos desde que foi publicado pela primeira vez o "La voz de la mujer", primeiro jornal feminista da Argentina e da América Latina, a Universidade Nacional de Quilmes (UNQ) lança um livro que reedita os nove números da centenária publicação.

O jornal, que começou as ser distribuído em 8 de janeiro de 1896 e era dirigido pela militante feminista e sindicalista argentina Virginia Bolten, teve como lema "Nem Deus, nem patrão, nem marido", e se definia com uma postura determinante contra o machismo e os autoritarismos estatal e eclesiástico. Além disso, reivindicava o amor livre, a emancipação feminina e a liberdade de escolha. Foram nove edições, a última lançada em 1º de janeiro de 1897.

Quase 125 anos depois do seu surgimento, o clamor pelo fim da violência de gênero e a luta de milhares de mulheres para consolidar o feminismo servem como paradigmas para situar o que acontecia no fim do século XIX de forma mais aberta. E muito tempo antes de cartazes e protestos tomaram o país para exigir o direito ao aborto, "La voz de la mujer" já abria o debate.

Este ano, a UNQ decidiu, então, recuperar a edição do livro que em 1997 reuniu as nove publicações do jornal e fez uma segunda tiragem devido à efervescência do movimento feminista na Argentina e no mundo. O material está disponível para venda (por 300 pesos, o equivalente a cerca de R$ 40) ou para download gratuito no site da universidade (https://ediciones.unq.edu.ar/504-la-voz-de-la-mujer.html).

De acordo com o reitor da UNQ, Alejandro Villar, a brecha geracional é importante no contexto atual, já que muitas mulheres que leram o livro "veem refletida a história de suas bisavós em um mundo onde a ideia do feminismo era quase pré-cambriana".

"Como podemos observar, há muito tempo havia mulheres empoderadas que lutavam e tinham instrumentos como essa publicação para embasar as suas posições. É muito interessante para contribuir para a história do feminismo na Argentina", disse ele à Agência Efe.

Pouco se sabe sobre as colaboradoras, que assinavam com pseudônimos como Josefa Martínez, Teresa Marchisio e Pepita Gherra - nome usado por Virginia Bolten -, que escreveu, entre outros, "¿Amemos? No. ¡Luchemos!" (Amemos? Não. Lutemos!).

"Pepita Gherra escolheu ocupar um lugar de vanguarda, que, hoje em dia é importante, mas naquela época deve ter sido muito desconfortável. A vanguarda costuma ser difícil porque implica receber os primeiros golpes, expulsões e questionamentos", explicou a historiadora e escritora Gabriela Margall.

O século XIX não foi nada fácil para a liberdades das mulheres, e menos ainda para as jornalistas de ideias revolucionárias. Muitas delas se escondiam em codinomes, por medo de represália, enquanto vários meios de comunicação do Estado restringiam a presença delas, que deveriam trabalhar em segredo.

"As autoras de jornais ou dirigentes operárias tinham que esconder suas identidades e não deixar rastro da sua existência. Inclusive jornais como 'La voz de la mujer' eram clandestinos e apareciam quando era possível", disse Margall.

A obra foi apresentada na Feira do Livro de Buenos Aires em abril por Villar e pela socióloga feminista Dora Barrancos, que escreveu o prefácio da segunda edição.

"Voltar ao passado nos permite olhar as mudanças alcançadas e também ter mais força para batalhar as transformações que nos aguardam", argumentou Barrancos.

Para Margall, por sua vez, um dos fatores mais relevantes desse jornal foi a sua reflexão sobre o lugar das mulheres no mapa social e econômico.

"A emancipação feminina era a emancipação da humanidade", afirmou ela, ressaltando que a publicação introduziu nas leitoras a necessidade de assumir que não pertenciam a nada e a ninguém. EFE