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China deteria líderes de protestos em Hong Kong se eles existissem, diz Wong

05/07/2019 15h12

Javier García.

Hong Kong, 5 jul (EFE).- Com apenas 22 anos, Joshua Wong foi um dos principais nomes da chamada "Revolução dos Guarda-Chuvas" em Hong Kong no ano de 2014, quando tinha somente 17, e saiu da prisão há três semanas, no auge dos protestos na antiga colônia britânica contra o projeto de lei de extradição para a China.

Na mesma manhã que deixou a prisão, Wong apareceu em frente à sede do parlamento, onde foi aclamado e ovacionado por milhares de jovens que protestavam contra o projeto de lei e pediam a renúncia da chefe de governo local, Carrie Lam.

Desde então, Wong vem participando ativamente na coordenação dos protestos e defende a continuidade dos mesmos até que Lam e Pequim ouçam o clamor popular.

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PERGUNTA: Em que ponto está o movimento pró-democracia em Hong Kong após a invasão sem precedentes do parlamento na última segunda-feira?

RESPOSTA: Ninguém vai encorajar os jovens a invadirem um edifício, o que poderia lhes render dez anos de prisão. As pessoas podem ter dúvidas e eu não espero que todo mundo esteja de acordo com todo o comportamento dos ativistas durante a ação. Mas é preciso considerar que essa ação acontece depois que milhões de cidadãos se manifestaram pacificamente nas últimas semanas e o governo se manteve em silêncio, sem atender nossas reivindicações.

Por que o projeto de lei de extradição não pode ser retirado definitivamente agora? As pessoas têm medo que, por estar apenas suspenso, o governo de Hong Kong possa reativá-lo. E o fato de o governo não considerar as tão impressionantes manifestações pacíficas causa frustração nos jovens. Por isso eles entraram no parlamento.

P: Você entrou na sede do Legislativo?

R: Não. Fiquei do lado de fora, na linha da frente na rua e fui atingido por gás lacrimogêneo. E isso era um trabalho importante, porque sabíamos que a polícia não apareceria de repente no parlamento, que partiria de seu quartel-general, caminhando de um lado, e tínhamos que garantir a segurança das pessoas dentro do edifício.

Alguns meios de imprensa estrangeiros criticam a violência, mas devo dizer que nenhum policial e nenhum funcionário do parlamento foram atacados pelos ativistas, nem ficaram feridos durante a ação.

P: Por que você acredita que a polícia não agiu durante as muitas horas que os manifestantes levaram para derrubar as portas?

R: Eles devem ter pensado que prender os manifestantes dentro da Câmara seria mais fácil que na rua. E que poderiam pegar os mais jovens como alvo. Foi realmente uma sorte que os ativistas conseguissem entrar no parlamento, ocupá-lo durante três horas e abandoná-lo antes que a polícia chegasse à meia-noite. A falta de ação por parte dos agentes pode ter sido proposital, para que depois pudessem criticar a violência dos manifestantes, mas eles esperavam deter os ativistas dentro (do parlamento), de onde não teriam como sair.

P: Quinze pessoas já foram detidas até o momento, entre elas uma de 14 anos, você acredita que as prisões vão continuar?

R: Isso mostra que haverá detenções maciças em breve e, por isso, os protestos continuarão para pressionar o governo. Se não houver mais protestos nas próximas semanas, haverá menos pressão e será mais fácil para o governo prender mais gente.

P: Você apoia a manifestação deste domingo? Quem a organizou?

R: Sim, apoio. O movimento não tem lideres porque, se tivesse, Pequim os teria detido imediatamente. É por isso que me puseram na prisão no mês passado e me tiraram há três semanas. (O movimento) se organiza através de fóruns na internet, com iniciativas individuais. Não podemos usar o método tradicional porque Hong Kong não é uma cidade democrática.

P: As manifestações pacíficas são suficientes ou são necessárias outras ações?

R: Precisamos de mais ações. Dois milhões de pessoas saíram às ruas e isto é 30% da população. Se, em qualquer país, na Espanha, na Alemanha ou no Reino Unido, 30% da população se manifesta, o governo teria que ouvir essas pessoas. Mas, em Hong Kong, Pequim e o governo local continuam ignorando. Isso mostra que Hong Kong é uma cidade semiautoritária e que precisamos pedir eleições livres, o chefe de governo local não pode ser uma marionete de Pequim.

P: Que outro tipo de ação seria necessária então para conseguir seus objetivos?

R: A invasão ao parlamento é só o reflexo do descontentamento das pessoas, que não têm confiança no governo nem nas instituições. Apenas metade das 70 cadeiras do Conselho Legislativo de Hong Kong é escolhida diretamente, enquanto a outra metade é diretamente controlada por Pequim. O campo democrático tem sempre a maioria dos votos e a minoria dos assentos.

Se todos os deputados do Legislativo fossem escolhidos democraticamente, ninguém teria invadido (o parlamento), porque os deputados teriam rejeitado facilmente o projeto de lei de extradição com seus votos. Mas o sistema de Hong Kong carece de democracia.

P: E como é possível mudar esta situação?

R: Sabemos que não é uma batalha fácil. A promessa de "um país - dois sistemas" de Pequim e do Reino Unido quando houve a transferência de soberania em 1997 resultou ser a de um país e um sistema e meio. Mas, há dois meses, ninguém de Hong Kong ou do exterior teria imaginado que dois milhões de pessoas sairiam às ruas.

Continuaremos nossa luta e jamais daremos um passo atrás, apesar da expansão da influência do presidente da China, Xi Jinping, não só na China, mas em Hong Kong e no mundo inteiro.

P: Como foi seu tempo na prisão?

R: É difícil descrever, você não sabe que horas são, não é fácil, recebíamos duas camisetas por semana e a cela era bastante suja. Não é fácil passar por isso, mas a ameaça não pode me derrotar, me torna mais forte e apaixonado nesta batalha.

P: A China diz que os distúrbios em Hong Kong estão prejudicando gravemente a economia da cidade ao manchar sua reputação internacional.

R: A lei de extradição é o que atrapalharia fortemente a liberdade econômica de Hong Kong, porque permitiria extraditar homens de negócios de Hong Kong para a China. Há alguns anos, o milionário chinês Xiao Jianhua foi sequestrado em um hotel de Hong Kong e levado para a China. Os protestos não prejudicam a economia de Hong Kong. Se a lei for aprovada, ameaçará gravemente a liberdade econômica de Hong Kong e o mercado financeiro da cidade, reconhecido como o centro financeiro da Ásia.

P: O que você acha da decisão da Frente Civil de Direitos Humanos, que organizava até agora as manifestações, de se concentrar nas eleições para os conselhos de distrito de novembro e as do Conselho Legislativo do próximo ano?

R: As eleições são importantes, mas, se eu quiser concorrer nas eleições e Pequim não permitir, há um problema. Deputados eleitos democraticamente foram desqualificados por Pequim.

Mesmo se Lam aceitar amanhã todas as reivindicações dos manifestantes, terá que enfrentar uma crise política em outubro, quando terminar o prazo para os registros de candidaturas às eleições distritais. Estou pensando em me candidatar e, se o fizer, eles vão permitir que eu seja candidato? Acho que as pessoas sairão novamente às ruas se isso acontecer. EFE