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Morte de promotor completa 5 anos, e argentinos protestam para exigir justiça

19/01/2020 11h11

Buenos Aires, 18 jan (EFE).- Uma multidão foi às ruas de Buenos Aires neste sábado exigir que a Justiça da Argentina esclareça a morte do promotor Alberto Nisman, que completou cinco anos hoje, um protesto marcado por fortes críticas ao novo governo do país.

"Não foi suicídio, Nisman foi assassinado", cantavam os milhares de presentes na manifestação, que teve a participação de importantes figuras da oposição e da mãe do promotor, Sara Garfunkel, e ocorreu na Praça do Vaticano, que fica junto ao histórico Teatro Colón, no coração da capital da Argentina.

Nisman foi encontrado morto no dia 18 de janeiro de 2015, dentro do banheiro de seu apartamento, com um tiro na cabeça. Horas depois, ele iria ao Congresso explicar a denúncia que havia apresentado dias antes contra a então presidente e hoje vice-presidente do país, Cristina Kirchner.

Ele era promotor especial do caso que investiga o atentado contra a Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), que provocou a morte de 85 pessoas em 1994. Nisman havia denunciado Cristina, o então chanceler da Argentina, Héctor Timerman e outros integrantes do governo de encobrir a participação de agentes do Irã no ataque por meio de um memorando de entendimento assinado pelos dois países em 2013.

Até hoje, ninguém sabe o que de fato ocorreu há exatos cinco anos. As investigações ainda não esclareçam se Nisman se suicidou ou se foi vítima de um homicídio. Também não há qualquer informação sobre eventuais autores do crime.

PACTO DE IMPUNIDADE

O principal alvo do protesto de memória a Nisman foi o acordo assinado entre Argentina e Irã, que estabelecia a criação de uma Comissão da Verdade para esclarecer o ataque à Amia.

Depois de permanecerem por um minuto em silêncio e cantarem o hino nacional, os organizações da manifestação afirmaram que o acordo assinado pelo governo de Cristina era um "pacto de impunidade que transformava assassinos em seus próprios juízes".

"O pacto com o Irã incluía a promessa do governo argentino de suspender os alertas vermelhos (da Interpol) contra os iranianos acusados de planejar o ataque. Por isso a morte do procurador, que ia denunciar tal ultraje. Não foi uma coincidência, nem um suicídio", leram os organizadores aos participantes do evento.

"Assim como Cristina Kirchner fez um pacto de impunidade com o Irã, o atual presidente (Alberto Fernández, de quem ela é vice) fez o mesmo com ela: fizeram um pacto de uma candidatura em troca da impunidade. (...) Ambos querem desmontar a causa de maior envergadura política que pesa sobre a vice-presidente: o assassinato que completa hoje cinco anos de impunidade", concluíram os organizadores.

GOVERNO QUESTIONADO

A proposta do novo governo de Alberto Fernández de revisar a perícia da cena do crime feita pela polícia da Argentina também foi criticada pelos manifestantes. Os resultados da análise fizeram que o juiz Julián Ercolini tipificasse o crime como o homicídio, deixando de lado versões que consideravam a hipótese de Nisman ter se suicidado.

"Ninguém na Argentina pode se dar ao luxo de interpretar a morte do promotor Alberto Nisman segundo sua ocasional conveniência política ou o cargo que circunstancialmente ocupe", alertou o documento lido, um dos parágrafos mais celebrados pelos presentes.

PRESENÇA DA OPOSIÇÃO

Integrantes do governo de Fernández não participaram do ato, que, por outro lado, contou com a presença de vários deputados da oposição, como Patricia Bullrich, ministra de Segurança Pública do ex-presidente Mauricio Macri, e Hernán Lombardi, ex-diretor do Sistema de Veículos e Conteúdos Públicos.

"O governo de Fernández quer voltar atrás em uma investigação avançada, mas a Justiça deve ser independente, não deve ser pressionada pelo poder político", afirmou a ex-ministra.

Lombardi também pediu que não haja interferência na Justiça e lembrou que, em 2015, o governo já não foi capaz de cumprir seu dever de proteger a pessoa que deveria ser, naquela época, a mais protegida do país.

A mãe de Nisman não falou durante o evento. O advogado do promotor, Pablo Lanusse, disse que ele foi vítima de um assassinato, um plano criminoso para calá-lo.

EVENTOS DIVIDIDOS

As homenagens a Nisman ocorrem de forma separada, já que as organizações judaicas preferiram não participar de atos com forte conotação política. A Delegação de Associações Israelitas Argentinas (ADIA, braço político da comunidade judaica local) realizará amanhã uma cerimônia mais íntima no cemitério de La Tablada.

A Amia, por outro lado, renovou em comunicado o pedido de que a verdade sobre a morte de Nisman seja esclarecida. "Não podemos nos resignar a conviver com a impunidade", afirmou a entidade na nota.

INVESTIGAÇÃO SOB DÚVIDA

O caso de Nisman teve várias idas e vindas nestes últimos cinco anos, e voltou à tona nas últimas semanas não só pela revelação de novos fatos, mas também pela estreia de "O promotor, a presidente e o espião", uma série documental produzida pela "Netflix", também disponível no Brasil.

Ninguém foi acusado como autor intelectual ou material do homicídio até o momento. Apenas o ex-colaborador Diego Lagomarsino, um técnico de informática que teria emprestado ao promotor a arma encontrada na cena do crime, foi processado. Os seguranças que faziam a escolta de Nisman são investigados por não cumprirem seu dever de protegê-lo e por supostamente encobrirem quem de fato o assassinou.

Recentemente, uma investigação jornalística descobriu várias comunicações feitas por um agente de inteligência na região onde o técnico de informática vivia no mesmo dia em que Nisman foi encontrado morto, o que aumenta o mistério de um caso que parece longe de ser esclarecido.