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Morte de João Alberto gera indignação e protestos no Dia da Consciência Negra

21/11/2020 01h52

São Paulo/Rio de Janeiro, 20 nov (EFE).- Os protestos ocorridos em várias cidades brasileiras nesta sexta-feira, Dia da Consciência Negra, repudiaram a morte de um homem negro que, na noite anterior, foi espancado por dois seguranças brancos em um supermercado do grupo Carrefour em Porto Alegre, episódio comparado com o do americano George Floyd.

A morte do soldador João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, gravada em vídeos amplamente compartilhados por redes sociais, gerou uma onda de indignação e comoveu o país.

Mais cedo, o vice-presidente Hamilton Mourão negou que a morte de João Alberto seja um caso de racismo, afirmando que "não existe racismo no Brasil".

Para expressar repúdio, pequenos grupos de manifestantes saíram às ruas em diversas cidades, como São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte e Porto Alegre. O ato mais chamativo foi o da capital paulista, onde centenas de pessoas se reuniram em frente ao Museu de Arte de São Paulo (Masp), na Avenida Paulista, e alguns seguiram em direção a uma unidade do Carrefour.

"A reivindicação da população negra é urgente. A desumanização do povo negro no Brasil é evidente. Temos que sair às ruas para dar visibilidade às nossas lutas", disse à Agência Efe Alexandra Tulani, uma das manifestantes.

"Queremos ter o direito de existir. Não queremos sair às reuas e sofrer violência policial. Ontem, um homem negro foi morto em um supermercado. Isso tem que acabar, e tem que acabar já", completou.

"A CARNE MAIS BARATA DO MERCADO É A NEGRA".

A frase "A carne mais barata do mercado é a negra", imortalizada na canção "A Carne", de Elza Soares, inundou as redes sociais e se tornou lema dos protestos desta sexta-feira.

"É um genocídio dos meus irmãos, das minhas irmãs, da população negra. Isso tem que acabar. Estamos fartos da morte. Quem morre é negro, quem é assassinado é negro, a polícia mata negro, a sociedade vive imersa em um racismo estrutural", disse Bruna Rodrigues, que também marcou presença no protesto.

Enquanto percorriam ruas da capital paulista, os manifestantes exibiam cartazes com os dizeres "Justiça para João Alberto" e "Carrefour tem mãos sujas de sangue".

A manifestação transcorria sem graves incidentes até que um pequeno grupo vandalizou uma unidade do Carrefour na Rua Pamplona. O grupo que depredou a fachada do prédio e partes do interior do supermercado foi repreendido por outros manifestantes.

No Rio de Janeiro, centenas de pessoas entraram em um supermercado da mesma rede no bairro da Barra da Tijuca, na Zona Oeste da capital fluminense, aos gritos de "assassinos" e "racistas não passarão".

"É um ato de resistência, mas estamos cansados de ser resistência. Só queremos a oportunidade de poder viver", declarou o artista Ricardo Fernandes.

A morte de João Alberto foi comparada por muitos à de George Floyd, americano negro que morreu em maio, às mãos de um policial branco, que gerou protestos antirracistas em todos os Estados Unidos e outros países.

MOURÃO NEGA RACISMO.

Questionado sobre o caso, Hamilton Mourão lamentou a morte de João Alberto, mas disse que não foi um episódio de discriminação racial porque "no Brasil não há racismo".

"Para mim, no Brasil não há racismo. Isso é uma coisa que eles querem importar, que não existe aqui. Eu lhes digo com toda tranquilidade, não há racismo", disse o vice-presidente aos repórteres.

Depois que os fatos vieram a público, vários políticos, autoridades, instituições e celebridades condenaram o "racismo estrutural" no Brasil.

"Estamos diante de cenas de extrema violência que deixam todos indignados com o excesso de violência, que levou à morte de um cidadão negro em um supermercado", disse Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), destacou que o brutal assassinato de João Alberto "escancara a necessidade de lutar contra o terrível racismo estrutural que corrói a nossa sociedade".

Já o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, ressaltou que "toda violência é desmedida e deve ser eliminada da sociedade".

Apesar da onda de indignação e a intensa repercussão ao longo do dia, o presidente Jair Bolsonaro ainda não se manifestou sobre o caso.

HOMICÍDIOS DE NEGROS CRESCERAM NA ÚLTIMA DÉCADA.

Os negros representam 56% da população brasileira, e também são os que mais morrem, ganham menos e sofrem mais com o desemprego no país.

De acordo com dados do Atlas da Violência 2020, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 75% das vítimas de homicídios no Brasil em 2018 eram negras.

A taxa de homicídios de negros no país subiu de 34 assassinatos por 100 mil habitantes, em 2008, para 37,8, em 2018, um aumento de 11,5% na década, enquanto o número de assassinatos entre não negros caiu 12,9% no mesmo período.