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Diabetes e cegueira aumentaram no Brasil na pandemia, alertam especialistas

20/08/2021 17h59

São Paulo, 20 ago (EFE).- O aumento de casos de diabetes e também de cegueira causados pelos altos índices de glicose no sangue durante a pandemia de covid-19 no Brasil preocupa especialistas, que alertaram para a necessidade de manter um acompanhamento rigoroso da doença, que é a principal causa da perda de visão em pessoas entre 20 e 60 anos de idade.

O presidente da Sociedade Brasileira de Retina e Vítreo (SBRV), Maurício Maia, afirmou em entrevista à Agência Efe que a necessidade de manter um isolamento social levou a uma importante redução do controle da doença e à interrupção de tratamentos.

O medo de se expor ao vírus e a dificuldade de acesso a consultas, medicamentos e tratamentos com a suspensão de serviços presenciais, principalmente entre os pacientes que dependem do sistema público de saúde, desencadeou uma "epidemia de cegueiras e mortes" relacionadas ao diabetes.

"Estamos observando de forma empírica, sem dados, a volta de alguns pacientes (a consultas) com doenças oculares mais complicadas que antes. Não há nenhum estudo no Brasil que tenha sido feito nesse sentido, mas as observações trazidas por médicos de todo o país mostram que está acontecendo", garantiu o oftalmologista.

Além disso, estima-se que o isolamento social levou também a um grande aumento dos níveis de sedentarismo, estresse e obesidade, fatores de risco para o desenvolvimento de diabetes, que é a principal causa de cegueira reversível no Brasil, apesar que 90% dos casos poderiam ser evitados através do controle da glicose e de exames oftalmológicos periódicos.

"O paciente diabético precisa se tratar precocemente para evitar ficar cego. E pessoas que tem sintomas de diabetes, como necessidade de beber quantidades excessivas de água e de urinar frequentemente, devem procurar médicos para fazer o diagnóstico", ressaltou o oftalmologista.

Diante deste contexto, a SBRV se uniu à Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) e à farmacêutica Allergan (empresa do grupo americano AbbVie) para conscientizar a população sobre os riscos do diabetes para a saúde ocular através de uma iniciativa lançada esta semana.

A campanha "Abra os Olhos: o Diabetes pode levar à cegueira. Consulte um especialista. Você pode mudar esta história", que terá duração até novembro, também tem como objetivo incentivar as pessoas a retomarem sua rotina de cuidados com a saúde, seguindo todos os protocolos de prevenção contra o novo coronavírus.

"O novo momento que o mundo vive, a falta de acesso a atendimento adequado e a necessidade de conscientização sobre a doença foram as molas propulsoras para nos mobilizarmos em parceria com a indústria e fazer nossa parte para que a população tenha acesso e qualidade nos tratamentos das doenças oculares e dessa epidemia de retinopatia diabetica que vivemos no Brasil", afirmou Maia.

Por outro lado, a coordenadora do departamento de Saúde Ocular da SBD, Solange Travassos, enfatizou a importância de informar o público diante de doenças silenciosas.

Segundo ela, cerca de 50% dos diabéticos não sabem que tem a doença, e por isso não realizam nenhum tipo de acompanhamento.

Além disso, a retinopatia diabética, que leva a alterações estruturais nos vasos sanguíneos da retina, podendo culminar em atrofia do nervo óptico e cegueira irrevervísvel, não apresenta nenhum tipo de sintoma em fases iniciais.

"As pessoas não têm noção de que precisam realizar o exame da retina mesmo sem sintoma, e colegas médicos às vezes esquecem de pedí-lo com a frequência que é recomendada", ressaltou Solange.

Para a endocrinologista, que foi diagnosticada com diabetes aos 14 anos de idade, também são preocupantes os casos de pacientes que se viram obrigados a interromper seus tratamentos durante a pandemia, principalmente aqueles que dependem do Sistema Único de Saúde, e que agora não conseguem ser atendidos com a rapidez necessária.

"Se você depende do SUS, essa urgência não existe e com isso você perde a chance de ter a sua visão preservada. Existem poucos oftalmologistas no SUS para dar conta da demanda. É preciso aumentar a oferta, porque é um gargalo muito grande", defendeu a especialista.

DIABETES E SAÚDE OCULAR.

O controle do diabetes é o maior fator modificável para a prevenção de problemas sérios oculares, entre eles catarata, edema macular e, o mais comum, a retinopatia diabética, que têm como maior fator de risco níveis descontrolados de glicose no sangue, mas que também podem ser agravados por hipertensão, sedentarismo ou colesterol alto.

Segundo dados do Ministério da Saúde, no Brasil existem cerca de 15,6 milhões de diabéticos (7,4% da população), no entanto, o presidente SBRV disse que apenas 4 milhões deles tratam a doença e forma adequada e que aproximadamente 6 milhões (entre 30% e 40%) devem desenvolver algum tipo de cegueira.

Maia explicou que a retina, membrana que constitui a camada mais interna do olho, é mais afetada pelo diabetes que os outros órgãos, porque tem uma microvasculatura muito intensa que é primordialmente afetada por uma substância tóxica produzida pelo organismo daqueles que não controlam a doença, o sorbitol, capaz de modificar a fisiologia dos vasos sanguíneos nessa região, eliminando progressivamente sua capacidade de reter fluidos.

O extravasamento de líquido na retina causa sangramentos e dá origem ao edema macular, caracterizado pelo inchaço dos tecidos e redução da acuidade visual.

Nesta fase, o problema pode ser revertido através de tratamentos com laser ou injeções com substâncias que inibem uma proteína que promove o crescimento anormal de vasos na retina.

No entanto, "quando a fase é muito tardia, o nervo óptico do paciente atrofia e ele fica cego por retinopatia diabética".

Nesse sentido, o cirurgião lembrou que a retina é um biomarcador diabético, o que significa que, através de um exame de fundo de olho, é possível, além de prevenir a cegueira, determinar a gravidade da doença sistêmica e identificar que tipo de especialista o paciente precisa procurar, desde um cardiologista até um cirurgião vascular.

Sobre a relação entre os tipos de diabetes e a retinopatia, Maia insistiu que o que mais impacta a saúde ocular é o nível de controle e o tempo que o paciente convive com a doença.

"Pacientes com dois a quatro anos de diabetes têm menos de 1% de chance de desenvolver retinopatia. Com 10 anos, essa porcentagem sobe para 30%, e com entre 15 e 25 anos, chega a 90%. Então o risco é proporcional ao tempo e ao descontrole, mas sabemos que o diabetes de tipo 1 (autoimune) é de mais difícil controle e que pacientes jovens e dependentes de insulina normalmente têm uma retinopatia mais agressiva", detalhou.

DIABETES E COVID-19.

Pacientes diabéticos que não controlam os níveis de glicose apresentam um fator de risco para desenvolver formas graves da covid-19. No entanto, ainda não há dados científicos determinantes sobre o surgimento de diabetes em pacientes infectados pelo novo coronavírus, apesar de que muitos estudos indicam um aumento do número de casos relacionado à pandemia.

Segundo Solange, pesquisadores encontraram evidências do RNA do vírus nas células do pâncreas, o que pode significar que haja uma ação direta do Sars-Cov-2 contra as células que produzem insulina e contra aquelas no seu entorno. Mas há outras viroses que podem aumentar o risco de diabetes, como por exemplo a rubéola, a mononucleose ou infecções causadas por alguns adenovírus.

"Será que o coronavírus é só mais um vírus que pode afetar o pâncreas ou ele tem alguma coisa diferente? Não temos todas as respostas ainda", afirmou.

Por outro lado, a endocrinologista contou que acompanhou em seu consultório uma paciente jovem e saudável que desenvolveu um caso de diabetes transitório, que durou dois meses, após um quadro de covid-19, e alertou que é aconselhável ter muita atenção diante desta doença sobre a qual ainda se sabe tão pouco.

"Houve alguns estudos na Europa tentando associar o aumento dos casos de diabetes tipo 1 à covid-19, como se ela desencadeasse uma reação autoimune, mas ainda não há dados conclusivos", ressaltou. EFE