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Lembre-se do 29 de novembro de 2016

29.nov.2016 - Plenário da Câmara dos Deputados na sessão em que foi votado o pacote de medidas de combate à corrupção - Alan Marques/Folhapress
29.nov.2016 - Plenário da Câmara dos Deputados na sessão em que foi votado o pacote de medidas de combate à corrupção Imagem: Alan Marques/Folhapress

Fabiano Angélico*

29/11/2017 04h00

O impacto negativo da corrupção é frequentemente demonstrado através de comparações com a construção de equipamentos públicos. Nessas narrativas, a corrupção é algo deletério porque o desvio de determinada quantia de reais propiciaria a construção de certo número de escolas ou de hospitais. Mas o impacto negativo da corrupção vai muito, muito além. Existem ao menos dois outros desdobramentos mais custos.

Em primeiro lugar, a corrupção afeta as políticas públicas não apenas porque se deixa de construir escolas ou hospitais – afinal, sem adequados processos de manutenção e, mais do que isso, sem uma boa política pública de saúde ou de educação, de nada adiantam equipamentos públicos novos. A corrupção afeta as políticas públicas em todo o seu ciclo – desde a formulação, até a implementação e a avaliação. É que num ambiente corrupto, as decisões políticas são tomadas para favorecer interesses privados e pouco republicanos de um pequeno grupo – e, para isso, os corruptos precisam controlar postos-chaves na máquina estatal, impedindo qualquer desenho ou qualquer implementação mais profissional. A corrupção, portanto, é um dos componentes mais relevantes para se compreender o fenômeno das políticas mal executadas, com seus desperdícios e ineficiências.

Além disso, o impacto negativo da corrupção é demonstrável pelo nível de confiança nas instituições, o que afeta sobremaneira o apreço à Democracia. Desse desapreço derivam ideias autoritárias e com um imenso potencial destrutivo de Direitos.

Entretanto, nem o diagnóstico de que é enorme o custo da corrupção nem as revelações da Operação Lava Jato e de outras investigações foram suficientes para que o Brasil realizasse um processo de enfrentamento sistêmico da corrupção. E a tentativa de algo nessa direção foi derrubada de maneira quase cruel há exatamente um ano.

São extremamente válidas e pertinentes algumas das críticas feitas ao pacote conhecido como “10 Medidas contra a Corrupção”, tanto pela forma como foi concebido e apresentado como por seu conteúdo. Por outro lado, são também válidas as considerações de que se tratou da única tentativa recente de se propor um enfrentamento mais sistêmico a essa chaga.

As propostas apresentadas pelo Ministério Público Federal colheram milhões de assinaturas. Uma vez no Congresso Nacional, elas foram debatidas numa comissão especial por mais de uma centena de especialistas. E foram, então, levadas ao plenário da Câmara.

Eis que na noite de 29 de novembro de 2016, noite em que o país chorava a tragédia da equipe de futebol Chapecoense, o plenário da Câmara dos Deputados matou essa tentativa de se encaminhar um pacote de propostas anticorrupção – e os deputados valeram-se de maneira absolutamente reprovável da comoção pela qual o país passava.

Em 29 de novembro de 2017, lembramos um ano do trágico acidente na Colômbia. Lembremos também do primeiro aniversário de uma sessão na Câmara dos Deputados em que uma parte considerável da classe política atual virou as costas ao Brasil e destroçou uma tentativa de se atacar de maneira sistêmica a corrupção, vista pela população, segundo várias pessoas, como o principal problema do país. De lá para cá, reiteradas vezes esta classe política atuou na contramão dos interesses do país e de seus cidadãos.

Pode-se criticar ou pode-se elogiar o pacote que se levou ao Congresso ano passado. Mas não podemos esquecer o 29 de novembro de 2016 por tudo o que ele significou enquanto simbolismo e marco zero da desfaçatez desta classe política para com o Brasil.

Nas eleições de 2018, o Brasil pode corrigir esses tortuosos caminhos recentes. A sociedade brasileira, em articulações envolvendo diversos atores, vem construindo propostas robustas de enfrentamento sistêmico da corrupção. Tais propostas serão apresentadas aos candidatos às eleições de 2018, quando teremos oportunidade para uma renovação qualificada da classe política. Em 2019, essa nova geração de políticos poderá assumir seus postos com um ferramental robusto à sua disposição para encaminhar o enfrentamento sistêmico à corrupção. Caso o Brasil consiga enfrentar de maneira mais expandida e ampliada esse fenômeno, o país viabilizará um ambiente de negócios saudável, que valorize o empreendedor e as empresas íntegras e que promova a prosperidade e as realizações pessoais, e garantirá políticas públicas de qualidade, promovendo justiça social e garantindo ao povo brasileiro os direitos previstos em nossa Constituição.

*Fabiano Angélico é consultor sênior da Transparência Internacional