OPINIÃO
O que o espelho quebrado de Lázaro Ramos ensina a Emicida e Fióti
01/04/2025 12h19
"O maior medo de João Nogueira era que o espelho se quebrasse. Lázaro Ramos sabe bem o que é viver entre espelhos quebrados, porém, como na lenda do espelho de Mahura, ele tem restituído a beleza dos caquinhos a partir da verdade guardada em cada um deles."
Esse é o belo comentário de Emicida na contracapa do novo livro de Lázaro Ramos, "Na Nossa Pele", lançado mês passado. O comentário é sobre o livro, mas por que não uma reflexão viva sobre o que se passa atualmente na vida dos irmãos Oliveira?
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Afinal, quantas verdades guardadas estão em cada caco do espelho quebrado depois do comunicado de Emicida em suas redes sociais: "Evandro Roque de Oliveira (Fióti) não representa mais os interesses da carreira artística de Leandro Roque de Oliveira (Emicida)".
Assim que publicado, foram poucos segundos para a enxurrada de comentários: "O que aconteceu? Alguém tá sabendo?".
Todo mundo tentou juntar peças. Teve gente dizendo que eles já não se falavam há um bom tempo, teve notícia pipocando de que tudo era por um terreno, outra que a treta era financeira, coisa de muita grana.
Além da curiosidade, o que todo mundo ficou mesmo foi indignado(a).
Afinal, os dois e sua turma da Lab Fantasma passaram a representar alguns de nós, negros. Eles furaram a bolha não só por conta do dinheiro, mas por mandar um "papo reto" pra toda juventude a partir de uma visão crítica do mundo e, ao menos tentando, seguir uma ética antirracista ao fortalecer redes negras pelo país, do audiovisual ao empreendedorismo.
A música de Emicida e todo trampo da Lab Fantasma, tendo Fióti como um de seus principais representantes, passou dar o recado pra muita molecada de quebrada e favela de que o rap e a arte negra ainda estão vivos e pulsando a capacidade de negros e negras sonharem.
Direto penso: Dinheiro é a desgraça do povo
Mas cê já viu o sorriso no rosto de quem ganhou um boot novo?
Essa é a parada neguim
Eu quero vida boa pras pessoas que vêm de onde eu vim
Deixar o sofrimento pra trás, é quente
Cê quer saber o sentido da vida, pra frente
Vou com a paciência de quem junta latinha
Focado no que tenho, não no que vou ter ou tinha
[Trecho da música 'A Cada Vento', de Emicida, Paulo Romero e Tixaman]
Mas aí, o que acontece quando o espelho quebra?
Quando quebra, onde fica todo aquele sonho negro? Onde fica o verso, a poesia? Onde fica o punho cerrado?
A cobrança vem e pesa. Daí, pra ajustar a rota, é preciso lembrar o que se é quando nasce: gente.
Afinal, quem nunca teve uma treta de família? O comunicado de Emicida de certa forma traz este recado. Não se trata apenas de Emicida e Fióti, mas de Leandro e Evandro.
Uma das maestrias do novo livro de Lázaro está na capa do livro com a frase "continuando a conversa".
Seja fã ou não, a torcida deve ser para que Evandro e Leandro analisem os cacos, suas verdades, e restituam suas belezas para conseguirem continuar a conversa que precisa ser continuada: sobre os nós negros que ainda precisam ser desatados.
Por fim, o recado da mãe, Dona Jacira, em suas redes após toda treta: "Tempo é tempo. A semeadura é livre, a colheita é obrigatória".
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL