Garimpeiro e madeireiro disputam eleições em cidade líder de desmatamento
Em uma das cidades mais desmatadas do país nos últimos anos, a paraense Novo Progresso, a disputa pela prefeitura tem dois políticos ligados a atividades que destroem a floresta: o garimpo e a exploração de madeira.
O atual prefeito Gelson Dill (MDB), cuja trajetória está vinculada à exploração madeireira, tenta a reeleição contra o ex-prefeito Juscelino Alves (Podemos), um piloto de avião que tem garimpeiros como clientes.
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Com 33 mil habitantes e área comparável à Suíça, o município do sudoeste do Pará se tornou um enclave da extrema direita. Nas eleições de 2022, foi a cidade mais bolsonarista da Amazônia, dando 83% dos votos a Jair Bolsonaro (PL).
Além de ignorarem a destruição da floresta em seus planos de governo, as duas candidaturas defendem o legado do ex-presidente Bolsonaro e disputam para ver quem é a mais bolsonarista.
Gelson Dill já recebeu mais de R$ 4 milhões em multas ambientais aplicadas pelo IBAMA e ICMBio, por desmatamento ilegal, inclusive dentro de áreas protegidas. Durante o atual mandato (2019 a 2024), a cidade ocupa a 11ª posição entre as mais devastadas do país, segundo levantamento da Repórter Brasil com base em dados do MapBiomas.
Juscelino, por sua vez, que governou Novo Progresso entre 1997 e 2004, tem como candidato a vice Ubiraci Soares, conhecido como Macarrão, prefeito entre 2017 e 2020. Macarrão foi indiciado pela Polícia Federal por garimpo ilegal, lavagem de dinheiro e usurpação de bem público da União.
"Um dos grandes fornecedores de dinheiro para a organização criminosa", aponta o inquérito policial a respeito da participação de Macarrão em um esquema envolvendo exploração de ouro em balsas de garimpo no Amazonas, conforme revelou a Repórter Brasil. Macarrão acumula também R$ 1,6 milhão por infrações ambientais.
Novo Progresso tornou-se um símbolo dos ataques à floresta amazônica e à democracia. Em 2019, a cidade foi palco do Dia do Fogo, um evento em que fazendeiros e empresários, organizados via WhatsApp, queimaram extensas áreas de floresta.
Durante os quatro anos de governo Bolsonaro, o discurso antiambiental do ex-presidente foi abraçado por grande parte dos moradores da cidade.
A Repórter Brasil esteve em Novo Progresso semanas depois do Dia do Fogo e retornou em 2021 e 2023.
Nesse período, a BR-163, que atravessa a cidade, foi transformada de uma estrada quase intransitável, cheia de buracos e lama, em um tapete de asfalto, facilitando o transporte de soja de Mato Grosso até o porto nas margens do rio Tapajós. A pavimentação é um dos motivos da adoração de Bolsonaro pela população.
Após a derrota de Bolsonaro em 2022, seus apoiadores bloquearam a BR-163 e enfrentaram a Polícia Rodoviária Federal, em um levante que antecipou a violência vista na tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023. Em um vídeo que capturou o momento, um manifestante grita: "Fugiram! Arregaram! Viva a população! Aqui é Novo Progresso".
Propostas para Novo Progresso
Juscelino classifica o combate ao garimpo feito pelos órgãos federais como "perverso". Para ele, o governo precisa dar oportunidade para que a população possa retirar o ouro.
"Não é pouco ouro. É bastante", observa, em entrevista à Repórter Brasil. Para o candidato, o trabalho dos garimpeiros que não atuam com grandes máquinas, como retroescavadeiras, deveria ser permitido.
Novo Progresso está em uma região com várias Terras Indígenas (TIs) no entorno, como Baú e Menkragnoti, do povo Kayapó, e as TIs Munduruku e Sai Cinza, do povo Munduruku, todas afetadas pela exploração ilegal dos garimpeiros.
O uso de mercúrio na separação do ouro contamina rios, peixes e provoca doenças graves, como malformações congênitas em crianças. Juscelino diz não concordar com o garimpo ilegal que ocorre em terras indígenas, mas é favorável a criação de uma lei que permita a exploração.
No plano de governo, Dill deixa claro que apoia a redução da Flona do Jamanxim em 27% e de outras unidades de conservação. Propõe pressionar os governos estaduais e federal para conceder florestas públicas para a extração madeireira e legalizar áreas de garimpo.
A redução da Flona é uma das bandeiras de Dill, um paranaense de 52 anos que migrou criança para Mato Grosso na década de 1970 e avançou em direção ao norte seguindo a BR-163 até chegar a Novo Progresso, no final da década de 1990.
Antes de ser eleito vereador, vice-prefeito e prefeito, Dill explorou madeira em uma área pública, que hoje faz parte do Parque do Jamanxim, onde foi multado por desmatamento,
A Repórter Brasil tentou entrevistar Gelson Dill diversas vezes. O prefeito chegou a pedir que as perguntas fossem enviadas por WhatsApp, comprometendo-se a respondê-las por áudio, mas não retornou até a publicação desta reportagem.
Dill foi perguntado sobre a disputa pelo legado de Bolsonaro, as multas ambientais que recebeu, o garimpo em terras indígenas e também sobre a pressão contra as unidades de conservação na região, invadidas por pecuaristas, como é o caso da Flona do Jamanxim.
A disputa pelo legado bolsonarista
O atual prefeito Gelson Dill organizou em torno de sua candidatura uma aliança com nove legendas, incluindo o PL de Bolsonaro, representado por sua candidata a vice, Rosana Gonzaga.
Além do ex-presidente, o prefeito se apoia também no governador do Pará, seu correligionário Helder Barbalho (MDB), que estreitou relações com o presidente Lula (PT).
Na corrida pela reeleição, Dill esconde o vermelho da bandeira do MDB e ressalta o verde e o amarelo, ao estilo bolsonarista.
Apesar de não ter o PL ao seu lado, o desafiante Juscelino Alves reivindica ser bolsonarista puro sangue. "Gelson Dill é como uma melancia: verde por fora e vermelho por dentro", diz.
O principal aliado de Juscelino é o senador Zequinha Marinho (Podemos), que é opositor dos Barbalho.
Juscelino não é novato na política. Foi prefeito por dois mandatos, mas há 20 anos está distante do poder. Do Piauí, chegou na região há 40 anos. "Aqui era uma corruptela de garimpo, com uma igrejinha, dois armazéns e uma casa", recorda. Veio atraído pelo ouro e desde então é piloto de avião, transportando garimpeiros pela região.
A economia ilegal em Novo Progresso
Para Maurício Torres, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) que estuda a região nas últimas décadas, parte significativa da sobrevivência de Novo Progresso vem da extração ilegal de madeira em Unidades de Conservação e Terras Indígenas, da criação de gado em terras griladas e da prórpia grilagem de terras.
"A implementação do estado de direito em Novo Progresso é vista por boa parte de sua gente como uma ameaça terrível", avalia Torres, acrescentando que a população foi empurrada para ilegalidade pela falta de ação do Estado.
"A população não teve acesso à terra e acabou empurrada, por falta de opções, para debaixo da asa de bandido, virando escudo social", afirma.
A cidade é protagonista do livro "Dono é quem desmata" (2017), escrito por Torres, Juan Doblas e Daniela Alarcon Fernandes, que analisa o processo de grilagem de terras na região. O título do livro é a reprodução de uma frase de um grileiro local.
Além do garimpo, da madeira e da pecuária, os últimos anos registraram o crescimento da monocultura da soja, que intensificou conflitos fundiários, mortes e ameaças a pequenos produtores e populações tradicionais.
Para outra parte da população, contudo, os ganhos são evidentes. A área urbana de Novo Progresso passou por uma "modernização", com a abertura de lojas, franquias de marcas famosas, restaurantes e churrascarias, além de muitas ruas de terra terem sido asfaltadas.