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Desertores relatam horror em prisões norte-coreanas; mãe teve que matar o próprio bebê

Shin Dong-hyuk, o mais famoso desertor de campos de prisioneiros da Coreia do Norte, durante depoimento à Comissão de Inquérito das Nações Unidas, em Seul (Coreia do Sul), sobre a violação dos direitos humanos no país vizinho. Shin conta que teve um dedo cortado por derrubar uma máquina de costura - Kim Hong-Ji/Reuters
Shin Dong-hyuk, o mais famoso desertor de campos de prisioneiros da Coreia do Norte, durante depoimento à Comissão de Inquérito das Nações Unidas, em Seul (Coreia do Sul), sobre a violação dos direitos humanos no país vizinho. Shin conta que teve um dedo cortado por derrubar uma máquina de costura Imagem: Kim Hong-Ji/Reuters

Ju-min Park e Michelle Kim

Em Seul (Coreia do Sul)

21/08/2013 06h00

Execuções públicas e tortura são ocorrências diárias nas prisões da Coreia do Norte, segundo o depoimento dramático de ex-presos à Comissão de Inquérito das Nações Unidas, que iniciou suas atividades na capital da Coreia do Sul na terça-feira (20).

É a primeira vez que o histórico de direitos humanos da Coreia do Norte é examinado por um painel de especialistas, apesar de o país, atualmente governado pela terceira geração da família Kim fundadora, negar que viole tais direitos. O país se recusa a reconhecer a comissão e nega acesso aos investigadores.

Relatos pungentes dos desertores que atualmente vivem na Coreia do Sul descreveram como guardas cortaram o dedo de um homem, forçaram presos a comer rãs e uma mãe a matar seu próprio bebê.


"Eu não tinha ideia (...) eu achei que a mão toda seria cortada na altura do pulso, de modo que fiquei grato por apenas meu dedo ter sido cortado", disse Shin Dong-hyuk, punido por derrubar uma máquina de costura.

Nascido em um campo de prisioneiros chamado Campo 14 e forçado a assistir a execução de sua mãe e de seu irmão, os quais entregou para que pudesse sobreviver, Shin é o mais famoso desertor e sobrevivente de campos de prisioneiros da Coreia do Norte. Ele disse que o painel da ONU é a única forma de melhorar os direitos humanos no país isolado e empobrecido.

"Como o povo norte-coreano não pode se erguer com armas como a Líbia e a Síria (...) eu pessoalmente acho que esta é a primeira e última esperança que resta", disse Shin. "Há muita coisa para eles encobrirem, apesar de não reconhecerem nada."

 

Há entre 150 mil e 200 mil pessoas nos campos de prisioneiros norte-coreanos, segundo estimativas independentes, e os desertores dizem que muitos presos são subnutridos ou trabalharam até a morte.

Após mais de um ano e meio governando a Coreia do Norte, Kim Jong Un, 30, mostrou poucos sinais de mudar o governo rígido de seu pai, Kim Jong Il, e avô, o fundador do Estado, Kim Il Sung. Também não há sinais de relaxamento ou perda do controle dentro do Estado rigidamente controlado.

Jee Heon-a, 34, disse à Comissão que, em seu primeiro dia de prisão, em 1999, descobriu que rãs salgadas eram uma das poucas coisas disponíveis para comer.

"Os olhos de todos eram fundos. Todos se pareciam com animais. Rãs eram penduradas nos botões de suas roupas e colocadas em um saco plástico", ela disse. "Eles comiam rãs salgadas e foi o que eu fiz."

Falando calmamente, ela respirou fundo quando descreveu em detalhes como uma mãe foi forçada a matar seu próprio bebê.

"Foi a primeira vez que vi um bebê recém-nascido e eu estava feliz. Mas de repente ouvi passos, e um guarda entrou e disse à mãe para colocar o bebê de cabeça para baixo em uma bacia com água", contou.

"A mãe implorou ao guarda para poupá-la, mas ele continuou espancando a mulher. Então a mãe, com suas mãos tremendo, colocou o bebê com a cabeça dentro da água. O choro parou, uma bolha subiu e o bebê morreu. Uma avó que fez o parto silenciosamente o levou."

'Noz dura'

Poucos especialistas esperam que a comissão tenha um impacto imediato na situação dos direitos, apesar de que ela servirá para divulgar uma campanha que tem pouca visibilidade global.

"A ONU tentou várias formas de pressionar a Coreia do Norte ao longo dos anos no campo dos direitos humanos, e esta é uma forma de aumentar um pouco a pressão", disse Bill Schabas, professor de lei internacional da Universidade de Middlesex, no Reino Unido.

"É óbvio que a Coreia do Norte é uma noz dura de quebrar, e os meios da ONU são limitados. Seria preciso mudanças políticas profundas na Coreia do Norte para que possa haver algum avanço no campo dos direitos humanos."

Mas parece haver pouco interesse na questão em Seul. Apenas poucas dezenas de pessoas, incluindo jornalistas, estiveram presentes na audiência em uma universidade no centro da cidade.

Desertores são em grande parte evitados ou ignorados na Coreia do Sul e ganham a vida com dificuldade em trabalhos servis, quando os conseguem, segundo dados oficiais.


Kim Jong Un intensificou os programas de foguetes e armas nucleares lançados por seu pai com um terceiro teste nuclear e dois lançamentos de foguetes, além de enfatizar os militares em seus discursos.

Neste ano, ele ameaçou os Estados Unidos, a Coreia do Sul e o Japão com um ataque nuclear e, apesar das ações belicosas do país serem desdenhadas como retórica vazia, Kim teve sucesso em aumentar a tensão na península coreana dividida.

A esperança de muitos ativistas é pela queda da dinastia Kim e que os líderes em Pyongyang sejam julgados pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) em Haia, apesar da comissão da ONU dizer que isso não é possível no momento.

Em seu site, a Comissão disse que "não é apropriado" comentar qualquer jurisdição do TPI sobre potenciais crimes contra a humanidade enquanto a Coreia do Norte não assinar os estatutos que permitiriam um processo pela corte.

Mas os ativistas dizem que as palavras da comissão se infiltrariam na Coreia do Norte por meio de contatos não oficiais mantidos pelas famílias.

"As pessoas vivendo suas vidas cotidianas aqui não percebem o quanto isso é importante. Teria um impacto tremendamente poderoso por toda a Coreia do Norte", disse Kim Sang-hun, presidente do Centro de Banco de Dados para Direitos Humanos Norte-Coreanos, um grupo sul-coreano.

Reportagem adicional de Thomas Escritt, em Amsterdã (Holanda), e Stephanie Nebehay, em Genebra (Suíça)