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Críticas de Renan a juiz geram troca de farpas entre Poderes

25/10/2016 17h10

BRASÍLIA (Reuters) - As duras declarações do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que classificou de "juizeco" um magistrado que autorizou uma operação da Polícia Federal contra policiais legislativos da Casa, gerou uma troca de farpas entre representantes dos três Poderes nesta terça-feira.

A primeira reação aconteceu ainda pela manhã, quando a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, a chefe do Judiciário, saiu em defesa da magistratura. Ela foi acompanhada por notas dos juízes da Justiça Federal do Distrito Federal, que autorizou a operação da PF na semana passada, e de procuradores.

Na outra ponta, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), representando o Legislativo, defendeu Renan ao mesmo tempo que buscou colocar panos quentes na situação, enquanto o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, pelo Poder Executivo, concordou com a reclamação feita pelo presidente do Senado.

A reação mais dura e de maior calibre às declarações de Renan vieram da presidente do Supremo, que exigiu respeito ao Judiciário e que não é admissível que qualquer juiz seja "diminuído ou desmoralizado".

"Numa democracia o juiz é essencial como são essenciais os membros de todos os outros Poderes... que nós respeitamos. Mas exigimos o mesmo e igual respeito", disse a ministra em sessão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que ela também preside, sem citar nomes.

"O Brasil é pródigo em leis que garantem que qualquer pessoa possa questionar e questione pelos meios recursais próprios os atos (de juízes). O que não é admissível é que, fora dos autos, qualquer juiz seja diminuído ou desmoralizado, porque, como eu disse, quando um juiz for destratado, eu também sou, qualquer um de nós juizes é", acrescentou.

Na segunda, Renan disse que "um juizeco de primeira instância não pode a qualquer momento atentar contra um Poder", referindo-se ao juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara de Justiça Federal do Distrito Federal, que autorizou a ação da Polícia Federal que na última sexta-feira resultou na prisão de quatro integrantes da polícia legislativa do Senado.

Os agentes foram detidos por conta de varreduras em residências de senadores em conduta interpretada como nociva às investigações da operação Lava Jato.

Renan prometeu ingressar com uma ação no próprio STF pedindo que a corte se pronuncie sobre as competências de cada Poder da República.

Um dos ministros mais próximos do presidente Michel Temer, Padilha disse concordar com a reclamação de Renan de que a ação da PF deveria ter sido autorizada pelo STF e não por um magistrado de primeira instância.

"Eu pessoalmente entendo o presidente Renan quando diz que o diálogo com o Senado tem que ser estabelecido pela Suprema Corte. Ele tem razão. Essa é uma posição pessoal, não do governo, mas penso que ele poderia ter pedido, como pediu, que a relação se estabelecesse com o Supremo Tribunal Federal", disse o ministro.

JUIZES E PROCURADORES

Os juízes da Seção Judiciário do Distrito Federal, onde atua Oliveira, também reagiram em tom elevado às declarações de Renan em uma nota de "repulsa" aos comentários do presidente do Senado e disseram defender o ajuizamento de uma ação no Supremo para delimitar as ações de cada um dos Poderes.

"É imprescindível, para o bom funcionamento das instituições do país, que certas categorias de servidores públicos não avancem em atribuições constitucionais conferidas a outras, como no caso das polícias legislativas, com relação à polícia judiciária", diz a nota, acrescentando que os policiais legislativos são "subordinadas a autoridades investigadas, o que lhes suprime a necessária autonomia".

"Impressiona saber que o presidente do Senado e do Congresso Nacional, sob o equivocado e falacioso argumento de um 'Estado de Exceção', e com sério comprometimento das relevantes atribuições de seu cargo, permita-se aviltar o tratamento respeitoso devido a outra autoridade..., isso sim a criar um cenário de instabilidade e a colocar em severa dúvida se é o Estado republicano, democrático e de Direito que realmente se busca defender."

Também em nota, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) atacou as declarações de Renan.

"As declarações são tão mais graves porquanto advindas do chefe de uma das Casas do Poder Legislativo, de quem se deveria sempre esperar a defesa da democracia e da ordem jurídica, e não menosprezo aos demais Poderes ou defesa de privilégios até territoriais absolutamente descabidos em uma República, e inexistentes na Constituição", afirmou a ANPR.

EQUILIBRISTA

Presidente da Câmara, Maia defendeu a posição de Renan, ao mesmo tempo que disse compreender a posição externada pela presidente do STF e fez uma defesa da harmonia entre os Poderes.

"Acho que cada momento um defende a sua instituição. Já foi feito isso. A Cármem Lúcia defendeu a independência do Judiciário, Renan a independência do Legislativo, e agora está num segundo momento na hora de garantir a harmonia entre os Poderes", disse Maia.

(Por Lisandra Paraguassu e Maria Carolina Marcello, em Brasília; Pedro Fonseca, no Rio de Janeiro, e Eduardo Simões, em São Paulo)