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Chapecoense retoma a vida dentro de campo após tragédia aérea

26/01/2017 15h39

Por Andrew Downie

CHAPECÓ (Reuters) - O atacante Túlio de Melo teve uma carreira longa em clubes da Europa, mas quando a Chapecoense, sua ex-equipe, o chamou no mês passado após o acidente aéreo devastador que matou quase todo o time, ele sabia que não tinha outra opção a não ser retornar.

O veterano atacante, que atuou pelo time catarinense em 2015, conhecia a maioria dos jogadores, membros da comissão técnicas e dirigentes que morreram no acidente no final de novembro, em que o avião que levava o time caiu em uma região de montanhas perto de Medellín, na Colômbia, a caminho do jogo mais importante da história do time.

A queda na véspera da partida de ida da final da Copa Sul-Americana deixou a Chapecoense em ruínas, mas Túlio de Melo, de 31 anos, não pensou duas vezes quando convidado a retornar para a equipe.

"Eles me convidaram e dentro do meu coração eu não poderia tomar outra decisão", disse. "Depois de um acidente como aquele, se você não enxergar a vida de outra forma, você não entende nada sobre a vida."

O retorno de Túlio de Melo fez parte do processo de reconstrução da Chapecoense, que contou com ofertas de ajuda de diversos clubes, inclusive alguns dos maiores do mundo.

O Barcelona vai receber a "Chape" em um amistoso beneficente para o clube em agosto, e também está sendo negociado um outro jogo de caridade com o Manchester United.

Outros times já haviam sofrido acidentes aéreos -- Torino em 1947, Manchester United em 1958 e Alianza Lima em 1987 estão entre os casos mais conhecidos. Mas o desastre da Chapecoense foi mais impactante por sua devastação, uma vez que apenas seis pessoas a bordo sobreviveram e 71 foram mortas.

Entre os mortos estavam diretores do clube e membros da comissão técnica. Apenas três jogadores sobreviveram, e um deles, o goleiro Jackson Follmann, teve parte de uma perna amputada.

Da quarta divisão à elite do futebol brasileiro em apenas seis anos, a Chapecoense já havia se tornado um símbolo de boa administração, que se destacou em meio aos criticados dirigentes do futebol brasileiro. [nL1N1DV043]

"Perdemos quase todo mundo", disse o vice-presidente do clube, Ivan Tozzo. "Na semana seguinte ao enterro dos corpos nós começamos a pensar no futebol e trabalhamos muito duro. Montamos uma nova comissão técnica e tivemos eleições para novos diretores".

ATENÇÃO MUNDIAL

A Chapecoense foi fundada em 1973 na tranquila e organizada cidade de Chapecó, um município agropecuário de cerca de 200 mil habitantes no interior de Santa Catarina.

Com essa mesma organização, a Chapecoense cresceu no cenário nacional com uma política de sobreviver com seus próprios meios. A caminhada do clube até a final da Copa Sul-Americana era um conto de fadas.

Depois da tragédia, a Chapecoense se tornou o segundo time de todos os torcedores, o que representou um alívio financeiro. Pessoas de todo o mundo compraram camisas do time e se associaram pela internet, até o momento 20.000 a mais do que no mesmo período do ano passado, de acordo com o vice-presidente financeiro do clube, Roberto Merlo.

Parceiros financeiros se aproximaram do clube, e a Chapecoense espera que seu orçamento alcance 100 milhões de reais em 2017, ante 65 milhões de reais no ano passado.

Grande parte dos recursos será destinada a construir fundamentos para o futuro, como um novo centro de treinamento, de acordo com Merlo. As contratações de jogadores também devem aumentar, uma vez que o clube busca nomes de talento para encarar a temporada mais difícil de sua história.

CARAS NOVAS

Menos de duas semanas após o acidente, o clube contratou Vagner Mancini como novo técnico.

O treinador se manteve fiel à política da Chapecoense de combinar jogadores experientes com jovens talentos. O clube não fez contratações caras, trazendo apenas jogadores sem contrato, e rapidamente desmentiu rumores sobre a possível contratação de Ronaldinho Gaúcho.

Mancini escolheu 25 jogadores, metade deles por empréstimo, para se somar a nove jovens recém-promovidos das categorias de base e três que permaneceram na temporada passada. Muitos olheiros, médicos e outros membros da comissão técnica também tiveram que ser contratados.

Parte do desafio era encontrar pessoas capazes de suportar a pressão psicológica decorrente da tragédia.

"O aspecto emocional foi o que falou mais alto", disse Mancini. "Temos pessoas aqui que serão testadas como seres humanos e que estão dando respostas significativas".

Essas respostas serão colocadas à prova em campo numa temporada dura. A Chapecoense vai disputar sete competições, começando nesta quinta-feira, em casa, contra o Joinville, pela Primeira Liga.

Depois de receber o título da Copa Sul-Americana, entregue a pedido do adversário na decisão Atlético Nacional, o time fará sua estreia na Copa Libertadores.

O time ainda voltará à Colômbia para enfrentar o próprio Atlético na Recopa Sul-Americana, em um jogo que irá testar o coração de jogadores, torcedores e familiares.

"Nosso objetivo é fazer o nosso melhor para honrar essa camisa em todos os jogos", disse Túlio de Melo. "Essa não é uma temporada que vamos dizer que ganhamos títulos. É para sobrevivermos".