Como uma guerra de 20 anos separou pai e filhas - reunidos agora após acordo de paz
Quando Etiópia e Eritreia declararam guerra em 1998, em meio a uma disputa por pedaços de terra na fronteira, os governos das duas nações começaram a deportar, em massa, os estrangeiros do país "inimigo" que viviam em seus territórios. Mas o etíope Addisalem Hadgu pensou que não tinha por que se preocupar. Ele acreditava que seu passaporte etíope iria proteger sua esposa eritreia de ser expulsa.
Dois anos mais tarde, com o conflito degringolando e trincheiras se armando na fronteira, sua esposa, Nitslal Abraha, misteriosamente desapareceu junto com suas duas filhas, deixando para trás ele e o único filho homem. Addisalem, jornalista da TV estatal da Etiópia, deu largada a uma busca frenética pela família.
Alguns dias mais tarde, um vizinho lhe entregou uma carta de Nitslal. Ela dizia que tinha partido para a Eritreia com Azmera e Danayt, adolescentes na época.
A carta não explicava as razões, mas Addisalem suspeitava que ela, como milhões de outras pessoas, nos dois lados do conflito, tinha sido arrebatada pela onda de nacionalismo e patriotismo que culminou em um banho de sangue entre as nações vizinhas.
"Um dia poderemos nos encontrar", dizia a carta.
Mas durante 18 anos, eles não voltariam a se ver. Não havia maneira de se comunicar - todas as vias de transporte, bem como as linhas de telefone e os serviços de correios foram cortados desde o início do conflito.
Neste mês, porém o reencontro das famílias se tornou possível. Apesar do cessar-fogo de 2000, um acordo de paz entre as nações só foi assinado há poucos dias, acabando com hostilidades que duraram quase toda uma geração.
Depois que o presidente da Eritreia, Isaias Afwerki, e o primeiro ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, apertaram as mãos, se abraçaram e se comprometeram a restaurar os laços, Addisalem estava entre os mais de 400 passageiros que foram para Asmara no primeiro voo direto entre os vizinhos do chifre da África desde 1998.
Havia apenas alguns meses, ele tinha perdido as esperanças de reencontrar a família. Durante anos ele havia tentado contatá-los, até com um apelo ao comitê internacional da Cruz Vermelha para encontrar os contatos da esposa, mas sem resultado.
Ele chegou até a considerar viajar para a Eritreia a partir do Sudão, com a ajuda de traficantes de pessoas, mas foi desaconselhado - a viagem custaria caríssimo, e ele poderia não chegar vivo ao destino final.
"Tudo desencorajava. Eu me perguntava se eu estaria impedido de ver minha família porque eu não tinha dinheiro suficiente", disse Addisalem, 58.
Dois anos atrás, seus amigos localizaram sua filha mais velha, Azmera, no Facebook, e eles passaram a trocar mensagens. Mas Addisalem continuava agoniado por não poder conversar com sua família cara a cara.
"Eu surtei um dia e sumi", disse ele a Reuters um dia após sua chegada em Asmara. "Não conseguia me controlar. Eu parei de falar com ela, porque não dava mais".
Como a promessa de retomar os laços entre a Etiópia e a Eritreia avançou, e a possibilidade de reaproximação se tornou mais real, Addisalem voltou a entrar em contato com a filha.
Eles concordaram se encontrar na casa de um familiar na Eritreia.
Na quinta-feira (18), fora de uma pequena casa de tijolos em Asmara, Addisalem foi recebido com gritos e aplausos. Marido, mulher e filhas se abraçaram pela primeira vez em 18 anos. No começo, eles trocaram poucas palavras.
"Eu vim, mesmo com dor de dente", ele disse à mulher.
"Eu também estou um pouco doente", Nitslal respondeu.
Ele então desabou a chorar quando as filhas o abraçaram.
"Foram anos de escuridão. A separação e a espera foram inimagináveis. Pense em alguém que ganhou a loteria. É assim que eu me sinto agora", disse Addisalem, lamentado o longo e amargo preço pago por pessoas comuns dos dois lados do conflito.
"Era desnecessário. Perdi minha família por isso. Todos lutamos de um jeito ou de outro".
Uma das filhas, Danayt, mal podia acreditar que estava vendo o pai de novo. "Ele está sentado ao meu lado agora, mas eu ainda tenho medo de perdê-lo novamente", disse.
Tomado pela emoção, Addisalem evitou questões sobre o passado, incluindo por que a mulher partiu com as garotas, deixando para trás marido e filho.
Com a reaproximação entre Etiópia e Eritreia ainda engatinhando, ainda não está claro onde a família vai morar.
Determinado a não estragar o momento, Addisalem decidiu apenas olhar para frente.
Não me importa agora. Vou dar as costas para o passado e aproveitar o futuro com minhas filhas
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