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Fazer compras em lojas com prateleiras cheias na Venezuela? Só com dólares

31/10/2018 11h58

Por Corina Pons e Mayela Armas

CARACAS (Reuters) - Em um hotel de luxo da capital da Venezuela, uma loja pequena com prateleiras lotadas oferece uma variedade de produtos que vai de vinhos finos a fórmula de bebê importada, em um contraste acentuado com os desabastecidos supermercados normais da nação em grave crise econômica.

Outra loja localizada em Maracaibo, cidade quente do oeste, vende cereais matutinos, sopas e sal trufado dos Estados Unidos. Em um país cuja inflação anual está em 400 mil por cento, os preços dessas lojas são os únicos que permanecerão estáveis.

"Aqui vendemos em dólar", disse Lourdes Torres, gerente da loja de Maracaibo, atendendo clientes que esperavam para pagar com a moeda norte-americana.

"Aceitamos dinheiro, além de transferências de bancos americanos", explicou ela, acrescentando que também recebe pagamentos com a moeda local, o bolívar, com preços convertidos pela taxa de câmbio do mercado negro -- que é quase o quádruplo da taxa oficial.

Os "bodegones", lojas particulares que lembram as "lojas de dólar" que o governo de Cuba administrava nos anos 1990, vêm se expandindo constantemente nos últimos meses, já que realizar negócios com o combalido bolívar se torna cada vez mais difícil.

Sua ascensão vem na esteira de uma decisão do governo do presidente Nicolás Maduro de afrouxar um sistema de controle de moeda em vigor há 15 anos que tornou o comércio em dólar explicitamente ilegal.

Ela também coincide com a dolarização crescente de uma economia em colapso na qual muitos profissionais – de médicos e dentistas a personal trainers – estão cobrando em moeda estrangeira para evitar que seus lucros sejam consumidos pela hiperinflação.

A clientela dos "bodegones" é formada essencialmente por venezuelanos abastados com rendimento em moeda estrangeira, mas inclui um número cada vez maior de moradores que recebem remessas dos cerca de dois milhões de compatriotas que emigraram para fugir da fome e da doença.

A Reuters visitou seis lojas recém-abertas que vendem em dólar em Caracas e cinco outras cidades grandes, incluindo o município fronteiriço de San Cristóbal e o antes florescente polo industrial de Valencia, hoje repleto de fábricas vazias.

Muitas vezes os "bodegones" atraem a atenção dos consumidores com produtos de luxo, como chocolates requintados ou aparelhos de alta tecnologia – mas os itens mais populares são itens de higiene pessoal, como desodorante e pasta de dente, oferecidos em variedade maior do que nos supermercados, segundo gerentes de lojas.