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CORREÇÃO-ANÁLISE-Crise da Covid-19 abala Brasil, mas Bolsonaro afasta impeachment por ora

05/06/2020 11h10

(Corrige 1º parágrafo após intertítulo para "deputado Fábio Trad", em lugar em "senador Nelson Trad")

Por Anthony Boadle

BRASÍLIA (Reuters) - Um dos piores surtos de coronavírus do mundo, uma economia paralisada que faz os investidores fugirem e acusações de que ele mina a democracia ainda jovem do Brasil não enfraqueceram o comando do presidente Jair Bolsonaro.

Até quinta-feira, o Brasil tinha quase 615 mil casos confirmados de coronavírus, só perdendo para os Estados Unidos, e suas 34.021 mortes pela Covid-19 superaram as da Itália.

Em Brasília, parlamentares de todo o espectro político repudiaram nesta semana o fato de Bolsonaro estar desacatando os especialistas de saúde pública sobre o surto e sua campanha para revogar as quarentenas estaduais, que ele critica por prejudicarem a economia.

Eles também expressaram preocupação com as ameaças de Bolsonaro às instituições. O presidente endossa explicitamente seus apoiadores que foram às ruas pedir que os militares fechem o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, que estão investigando o presidente e seus seguidores.

Mais de 30 pedidos de impeachment já foram encaminhadas ao Congresso sob alegação de que Bolsonaro atenta contra a Constituição, a maioria de opositores de esquerda.

Mas Bolsonaro está seguro por ora, disseram quatro políticos à Reuters nesta semana.

Segundo eles, o presidente cortejou congressistas suficientes com indicações de peso feitos por partidos do chamado centrão para afastar as ameaças de impeachment. Agora muitos temem que tal manobra seria uma distração da crise de saúde crescente vinda em má hora.

"A crise política foi artificialmente provocada pelo presidente Bolsonaro dentro de uma das maiores crises da história do país. Para o PSDB, impeachment não faz parte de nosso cardápio, porque ajudaria a contribuir para uma maior instabilidade. Não é o momento para discutir um impeachment", disse Bruno Araújo, o presidente do partido.

Araújo disse que Bolsonaro será julgado pelos eleitores brasileiros na próxima eleição presidencial em 2022, quando poderá buscar a reeleição.

"Com o viés autoritário do presidente, vamos ter que administrar crise após crise, rompantes após rompantes, até chegar na próxima eleição presidencial, quando a administração do Bolsonaro poderá ser avaliada democraticamente pela população pelo que entregou ou deixou de entregar", disse ele em uma entrevista.

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a quem cabe decidir se dá andamento a um pedido de impeachment, também disse que primeiro o Brasil precisa se unir no combate ao surto de coronavírus e que não quer jogar "mais lenha na fogueira".

Bolsonaro diz que seus objetivos são democráticos e que aqueles que tentam minar seu governo são a maior ameaça à Constituição. Na semana passada, ele disse que o Supremo ameaça mergulhar o Brasil em uma crise política com suas investigações.

Um inquérito analisa o financiamento das supostas campanhas de desinformação de seu apoiadores nas redes sociais. Outro investiga se Bolsonaro interferiu ilegalmente em indicações da Polícia Federal por motivos pessoais. Bolsonaro diz que seu apoiadores e familiares estão sendo visados injustamente e que as acusações são falsas.

PERDENDO MODERADOS

O deputado federal Felipe Rigoni (PSB-ES) e o deputado Fábio Trad (PSD-MS), que ocupam o centro nas alas de esquerda e de direita no Congresso, disseram que Bolsonaro atiçou tensões deliberadamente ao se unir às manifestações antidemocráticas de seus simpatizantes, alienando eleitores moderados que o ajudaram a se eleger em 2018.

Mesmo assim, o clima de conflito agrada sua base, disseram os dois parlamentares. Embora a rejeição de seu governo tenha aumentado, até um terço do eleitorado continua fiel, indicam pesquisas de opinião.

O confronto constante desviou a atenção das crises graves de saúde pública e econômica que assolam o país, opinou Rigoni.

Bancos de investimento estão prevendo que a economia se retrairá até 7,7% neste ano. Investidores alarmados com a profundidade da recessão e com o manejo governamental da pandemia já retiraram mais de 31 bilhões de dólares do país neste ano, de acordo com dados do Banco Central. O Tesouro disse que os estrangeiros reduziram a posse de títulos brasileiros em abril para a menor taxa desde 2009.

Se a recessão e as investigações sobre Bolsonaro se tornarem graves o suficiente para reduzir o apoio a ele, o humor do Congresso pode acabar se tornando acolhedor para um impeachment, disse a deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP).

"É um presidente que claramente não sabe liderar o país neste momento. As contínuas ameaças e guerra ideológica são necessárias para ele se manter no poder, criando cada dia novas crises e conflitos, encontrando novos inimigos para fazer com que as pessoas não olhem o que está na nossa frente", disse.