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Professora coroa "princesas e rainhas negras" em oficinas educativas com jovens da Maré

Pâmela Carvalho durante oficina educativa no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro (RJ) - PILAR OLIVARES/REUTERS
Pâmela Carvalho durante oficina educativa no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro (RJ) Imagem: PILAR OLIVARES/REUTERS

Pilar Olivares

08/03/2021 20h09

A professora e historiadora Pâmela Carvalho acredita que gênero e raça devem ser discutidos desde a infância e vê o 8 de março, quando se comemora o Dia Internacional da Mulher, como um momento para reivindicar direitos e lutar para que aqueles já conquistados sejam cumpridos.

Pâmela criou em 2019 o coletivo Quilombo Etu, no Complexo da Maré, um projeto que busca levar uma educação de combate ao racismo a jovens negras da comunidade do Rio de Janeiro. "Eu faço o trabalho de coroar princesas e rainhas negras", resume.

Aos 28 anos, a mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) transmite as tradições do maracatu às meninas negras da capital fluminense, que por meio do coletivo participam de cerimônias de coroação que visam valorizá-las e educá-las com base nessas raízes.

No maracatu —advindo da cultura do candomblé de Pernambuco—, conta Carvalho, é realizada a coroação dos reis e rainhas do Congo, com cortejos reais que apresentam figuras negras como representantes de força e poder.

Com essa inspiração, Pâmela decidiu mostrar às jovens que participam do projeto que há espaço para que as trajetórias de mulheres negras sigam avançando pessoal e profissionalmente, e pautando espaços políticos na sociedade.

A coroação é o ápice de uma série de atividades e oficinas de cultura popular desenvolvidas por ela.

"Minha mãe investiu muito em mim, na minha educação... Eu sou o sonho mais bonito das minhas ancestrais, mas esse caminho não pode ser interrompido em mim", afirmou Pâmela, que cita como uma inspiração a ex-vereadora Marielle Franco, cuja trajetória de liderança foi interrompida por seu assassinato, prestes a completar três anos.

Pâmela, que com o coletivo conseguiu organizar os trabalhos que já realizava de forma independente há uma década, costuma adquirir simples coroas de plástico no popular Mercadão de Madureira para preparar as cerimônias com todas as jovens que participam das oficinas, diante das limitações do orçamento.

Mas a simbologia, no fim, se sobrepõe a qualquer simplicidade que os objetos possam transmitir.

"Mesmo que de plástico, elas brilham, para a gente fazer esse processo, de pensar o gênero e a questão de raça dentro dessas oficinas e coroar todas essas meninas negras a partir dessa perspectiva de que todas podem ser rainhas, podem ser princesas", disse. "Não é nem uma princesa nem uma rainha — são todas!"

O Quilombo Etu realiza ações itinerantes e possui uma oficina para cerca de 40 crianças, de sete a 14 anos, em uma lona cultural da Maré.

Mulheres negras e da favela

Pâmela Carvalho não nasceu na Maré, mas conta que lá encontrou seu espaço e foi reconhecida profissionalmente. "Eu não nasci na Maré, mas renasci na Maré". Além do coletivo Quilombo Etu, ela também coordena a produção da Lona Cultural Herbert Vianna e o Centro de Artes da Maré.

Cria do Morro do Juramento, Pâmela —que se mudou para a Maré após conhecer seu companheiro Rodrigo— tem se tornado uma inspiração para que as jovens negras da zona norte do Rio de Janeiro possam dar prosseguimento ao caminho que ela própria trilhou.

"Se a gente começar a discutir gênero e raça com essas meninas negras na infância, quando tiverem a minha idade elas vão estar muito além de mim, vão justamente ter dado continuidade a essa trajetória, que é tão difícil, mas que é tão importante", afirmou.

Neste Dia Internacional da Mulher, Pâmela Carvalho propõe que a data seja usada como instrumento de reflexão, muito mais do que de celebração.

Embora muito já tenha sido conquistado, disse ela —citando como exemplos o direito ao voto e leis de igualdade—, ainda há muito mais a se buscar, especialmente em termos salariais e no combate à violência e ao controle sobre a mulher.

"A gente tem que utilizar a data para reivindicar nossos direitos — alguns estão na lei, mas quando a gente vai para dentro das casas e para as ruas, vê que esses direitos não estão sendo exercidos em sua totalidade, principalmente quando a gente fala de mulheres negras e mulheres de favela."

Em 2021, o tema proposto pela ONU Mulheres para o 8 de março é "Mulheres na liderança: Alcançando um futuro igual em um mundo Covid-19".

A diretora-executiva da ONU Mulheres, a sul-africana Phumzile Mlambo-Ngcuka, destacou em sua mensagem para o 8 de Março deste ano que nenhum país prospera sem o envolvimento das mulheres. Ela pediu que os avanços celebrados atualmente deixem de ser exceção à regra.

"Precisamos de uma representação feminina que reflita todas as mulheres e meninas em toda a sua diversidade e habilidades e em todas as situações culturais, sociais, econômicas e políticas", disse Mlambo-Ngcuka.