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Lula poderá negociar R$200 bi a mais em gastos fora do teto para 2023, mas buscando consenso, diz Mantega

01/11/2022 13h19

(Ajusta 2º parágrafo para esclarecer que a isenção seria de até 5 mil reais, não 5 salários mínimos)

Por Bernardo Caram

BRASÍLIA (Reuters) - O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) precisará negociar nas próximas semanas um incremento para despesas federais em 2023 que poderá superar 200 bilhões de reais por fora da regra do teto, disse à Reuters o ex-ministro da Fazenda e conselheiro do petista Guido Mantega, ponderando que o novo governo deve se voltar ao centro e buscará consenso para construir um arcabouço fiscal responsável.

O mais longevo ministro da Fazenda do país afirmou na entrevista que a correção da tabela do Imposto de Renda (IR) prometida por Lula durante sua campanha eleitoral terá custo elevado, de até 120 bilhões de reais por ano, e por isso deverá ser inserida na discussão da reforma tributária e implementada de maneira gradual, sem aumento imediato da isenção para 5 mil reais.

“O primeiro desafio é negociar um Orçamento que seja factível, o Orçamento que está aí simplesmente imobiliza o novo governo, um Orçamento de ficção que não cobre nem o Auxílio Brasil que o próprio (presidente Jair) Bolsonaro estava divulgando, não cobre remédios da Farmácia Popular, creches, merendas, não tem investimentos, é catastrófico”, disse.

Para Mantega, um valor adicional de 120 bilhões de reais em relação ao Orçamento proposto pelo atual governo poderia “viabilizar minimamente” a gestão federal no ano que vem, autorizando a manutenção do Auxílio Brasil de 600 reais, cumprindo a promessa de um incremento de 150 reais adicionais por criança nas famílias beneficiadas e recompondo recursos em áreas consideradas críticas como a Farmácia Popular. Para ele, ainda assim, o governo ficaria imobilizado.

Em um cenário em que o novo governo consiga articular uma ampliação de investimentos públicos “emergenciais” em infraestrutura e habitação, o ex-ministro estima que seriam necessários pelo menos 200 bilhões de reais a mais em 2023.

Mantega ainda alertou para uma possível frustração de receitas no ano que vem, prevendo um crescimento mais baixo da economia do que o estimado pelo governo, o que levaria a uma deterioração ainda maior das contas federais.

“O Orçamento do ano que vem está prevendo um crescimento (do PIB) de 2,5%. Se você olhar as projeções de mercado, do jeito que as coisas vão, o crescimento seria de 0,5%. Se a economia crescer 0,5%, você não vai ter a arrecadação que está programada. Além disso a inflação estará mais baixa, e sabemos que a inflação ajuda a arrecadação”, afirmou.

IMPOSTO DE RENDA

O Orçamento proposto pelo atual governo prevê um rombo de 63,7 bilhões de reais em 2023, déficit que será maior se o Auxílio Brasil turbinado for mantido e se houver correção da tabela do Imposto de Renda (IR), outra promessa de Lula.

Em relação à correção do IR, Mantega disse que a medida deve ser colocada em prática de maneira gradual.

“Para implementar essa proposta de (isenção) de cinco salários mínimos, você teria um custo de 120 bilhões de reais (ao ano), é um custo muito elevado, teria que fazer gradual e no bojo de uma reforma tributária, sem desequilibrar as contas públicas”, disse.

Sem margem no teto de gastos para ampliar despesas em 2023 e com prazo apertado para viabilizar os desembolsos adicionais antes da posse presidencial em janeiro, Lula deve precisar do aval do Congresso para liberar o descumprimento pontual da regra fiscal no ano que vem, avaliou o ministro.

“Pode ser que para a construção de uma âncora de fiscal de consenso, você precise de mais tempo de discussão, então você pode entrar com o chamado ‘waiver’, uma autorização do Congresso para dispor de X% do PIB fora do teto”, disse.

A mudança exigiria a aprovação de uma emenda constitucional para autorizar a exceção ao teto, além de alteração na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2023 já aprovada pelo Legislativo e no projeto de Orçamento proposto pelo governo Bolsonaro.

“Acho melhor tomar mais tempo para discutir (o arcabouço fiscal). Essa é uma decisão política, Lula terá que discutir com a base atual, os aliados e os parlamentares, inclusive os que vão entrar no Congresso (em fevereiro do ano que vem)”, acrescentou.

Mantega afirmou que o novo arcabouço será debatido pela equipe de transição de governo, destacando que entre as ideias estão a revogação do teto, com retorno à meta fiscal como principal âncora, mas com uma margem de tolerância para seu cumprimento, ou uma regra de despesa que permita a ampliação de investimentos públicos de qualidade.

O ex-ministro defendeu que o novo arcabouço e a reforma tributária contem com a colaboração dos economistas responsáveis pela formulação do Plano Real, como Pedro Malan e Persio Arida, que declararam apoio a Lula nas eleições.

"(Ideia é) Fazer uma discussão mais ampla, de modo que você tenha de fato uma regra fiscal de consenso, porque todo mundo sabe que o Lula sempre fez um governo responsável do ponto de vista fiscal", afirmou.

GOVERNO DE CENTRO

Mantega disse acreditar que Lula terá condições de construir uma base aliada no Congresso para garantir a governabilidade e a implementação de reformas. Para isso, segundo ele, terá que conversar com os componentes do centrão --grupo que sustentou o atual governo-- e até mesmo com membros do PL, partido de Bolsonaro.

Ele ressaltou que as alianças firmadas por Lula para viabilizar seu retorno ao poder devem fazer com que o PT implemente um governo de centro nos próximos quatro anos, o que não impediria a adoção de medidas de combate à pobreza e ampliação de investimentos.

O ministro afirmou que “certamente” não fará parte do primeiro escalão do novo governo, argumentando já ter ficado tempo demais como ministro. Nas gestões do PT, ele ficou cerca de dois anos à frente do Ministério do Planejamento e quase nove anos no comando do Ministério da Fazenda.

Mantega disse que seguirá como conselheiro de Lula, mas afirmou não haver definição sobre eventualmente assumir alguma posição formal no governo ou em conselho para assessorar a gestão petista.

Em meio a uma série de especulações sobre os nomes que poderão chefiar a equipe econômica, ele disse que essas manifestações são balões de ensaio e suposições. “O Lula quer alguém que tenha trânsito político, tem economistas que têm trânsito político também, não está claro.”

Perguntado sobre medidas adotadas nas gestões do PT que geraram fortes questionamentos, como interferências no setor elétrico e uso de bancos públicos para forçar reduções de juros, Mantega afirmou que o partido aprendeu com os erros do passado e que o cenário hoje é muito diferente e por isso não seriam usados “os mesmos instrumentos do passado”.