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Nova tecnologia ajuda Brasil na repressão ao comércio ilegal de ouro da Amazônia

14/12/2024 08h07

Por Ricardo Brito e Anthony Boadle

BRASÍLIA (Reuters) - Harley Sandoval, pastor evangélico, corretor de imóveis e empresário da mineração, foi preso em julho de 2023 acusado de exportar ilegalmente 294 quilos de ouro da Amazônia brasileira para Estados Unidos, Dubai e Itália.

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No papel, o ouro vinha de um garimpo legal em Tocantins, onde Sandoval tinha licença para operar. No entanto, a polícia afirma que nenhuma quantidade de ouro foi extraída desse local desde os tempos coloniais.

Usando tecnologia forense de ponta e imagens de satélite, a Polícia Federal concluiu que o ouro exportado não vinha do garimpo licenciado em Tocantins. Na verdade, ele foi extraído de três garimpos clandestinos no vizinho Pará, alguns em terras protegidas de reservas indígenas, segundo documentos judiciais de novembro de 2023 obtidos com exclusividade pela Reuters.

Essa ação é uma das primeiras no Brasil a utilizar uma nova tecnologia para combater o comércio ilegal de ouro, que pode representar quase metade da produção nacional do minério. Garimpos ilegais se proliferaram em milhares de locais na floresta amazônica, provocando destruição ambiental e violência.

Nos últimos sete anos, apreensões de ouro ilegal cresceram sete vezes, segundo registros da Polícia Federal analisados pela Reuters com exclusividade.

Sandoval, que responde a processo em liberdade enquanto aguarda julgamento, continua a vender imóveis e pregar com sua esposa em uma igreja pentecostal em Goiânia. Ele nega as acusações e afirma ser impossível determinar a origem do ouro após sua fundição em barras para exportação.

"Isso é impossível. Para exportar ouro é sempre necessário fundi-lo", disse ele à Reuters por telefone.

DNA DO OURO

Historicamente, o ouro é difícil de rastrear, especialmente após sua fusão, que apaga marcas de origem. Assim, ele pode ser facilmente comercializado como ativo financeiro ou usado na indústria joalheira.

Investigadores, no entanto, dizem que isso está mudando. Um programa da Polícia Federal chamado Ouro Alvo está criando um gigantesco banco de dados com amostras de ouro de todo o Brasil. Essas amostras são analisadas com tecnologias como varredura de radioisótopos e espectroscopia de fluorescência com o objetivo de determinar a composição única dos elementos.

A técnica, usada há anos em arqueologia, foi adaptada para a mineração pelo geólogo forense Roger Dixon, da Universidade de Pretória, na África do Sul, para distinguir entre o ouro legal e o roubado.

O programa desenvolvido em parceria com pesquisadores universitários também inclui o uso de poderosos feixes de luz de um acelerador de partículas em um laboratório de São Paulo para estudar impurezas nanométricas associadas ao ouro, seja de terra ou outros metais como chumbo ou cobre, que ajudam a rastrear suas origens.

O delegado Humberto Freire, diretor da Amazônia e Meio Ambiente da PF, disse que a tecnologia permite analisar o "DNA do ouro brasileiro".

"A natureza marcou o ouro com isótopos, e conseguimos ler essas impressões únicas", disse Freire. "Com essa ferramenta, podemos rastrear o ouro ilegal antes que ele seja refinado para exportação", ressaltou.

O programa tem ajudado a impulsionar o aumento na apreensão de ouro ilegal desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou posse no começo do ano passado. Elas cresceram 38% em 2023 ante o ano anterior, segundo dados da PF. Regras mais rígidas do Banco Central e da Receita Federal para o mercado de ouro, incluindo notas fiscais eletrônicas obrigatórias e maior fiscalização, também contribuíram para a elevação da apreensão do minério comercializado na ilegalidade, segundo Freire.

"Estima-se que cerca de 40% do ouro extraído na Amazônia seja ilegal", disse o delegado da PF.

Em 2020, o Brasil exportou 110 toneladas de ouro, avaliadas em 5 bilhões de dólares, posicionando-se entre os 20 maiores exportadores globais. Em 2023, as exportações caíram para 77,7 toneladas, uma redução atribuída ao aumento do combate ao garimpo ilegal, segundo envolvidos nas discussões e especialistas do setor.

TENSÕES INDÍGENAS

O ex-presidente Jair Bolsonaro, antecessor de Lula, enfraqueceu os controles ambientais na Amazônia durante seu governo, o que desencadeou uma nova corrida do ouro no Brasil impulsionada por preços recordes no mercado mundial -- motivados por tensões geopolíticas e compras por bancos centrais, lideradas pela China.

Os preços continuaram a atingir novos recordes, chegando a 2.662,82 dólares por onça na sexta-feira.

Corridas atrás do ouro têm sido uma marca do Brasil, rico em minério desde o período colonial. Mas o aumento recente da mineração clandestina durante o governo Bolsonaro é sem precedentes. Imagens de satélite mostram que 80.000 garimpos chegaram a estar em atividade na floresta amazônica, um recorde absoluto.

Antes dominada por garimpeiros com bateias, o garimpo no Brasil tornou-se uma atividade em escala industrial, com maquinário pesado de escavação e dragas fluviais milionárias. Organizações criminosas transportam pessoas, equipamentos e ouro para dentro e fora das regiões garimpeiras com helicópteros e aviões que pousam em pistas clandestinas.

As escavações frequentemente deixam para trás lagoas de lama contaminadas com mercúrio, usado para separar o ouro da terra e de outros minerais.

No ano passado, milhares de garimpeiros que invadiram o Território Indígena Yanomami, a maior reserva indígena do país, na fronteira norte com a Venezuela, trouxeram violência e doenças que causaram a desnutrição e uma crise humanitária, levando Lula a enviar tropas para o local.

Mas muitos voltaram este ano após a retirada dos militares. Lula, que prometeu acabar com a mineração ilegal de ouro, tenta combater o problema montando uma estrutura com forças especiais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e outros órgãos para reservas indígenas e parques de conservação florestal.

A polícia afirma que reprimir as quadrilhas do crime organizado que financiam os garimpeiros é o próximo passo para conter um comércio ilegal que abastece a indústria de joias e relógios na Suíça, que compra 70% do ouro exportado pelo Brasil, de acordo com dados comerciais do governo.

Vizinhos da Amazônia, como Colômbia e Guiana Francesa, estão considerando adotar o método brasileiro de análise de ouro para enfrentar o comércio ilegal de ouro. Governos europeus também demonstraram interesse, incluindo a Suíça e o Reino Unido, os principais importadores do Brasil depois do Canadá, segundo policiais e diplomatas.

O Brasil representa apenas 1% do ouro importado pela Suíça, um centro global de comércio do metal, e "medidas estão em vigor para importar apenas ouro extraído legalmente", afirmou um comunicado da embaixada suíça. A embaixada informou que criou um grupo de trabalho com outros países importadores para estudar ferramentas de rastreabilidade e combate à falsificação.

Um estudo de 2022 do Instituto Escolhas, uma organização sem fins lucrativos que avalia a situação do ouro, descobriu que 52% do minério exportado da Amazônia era ilegal, quase todo proveniente de terras indígenas protegidas ou parques nacionais de conservação.

Um lobby vigoroso a favor da mineração informal de ouro prosperou sob Bolsonaro em um Congresso predominantemente conservador, onde projetos de lei em tramitação propõem legalizar a mineração clandestina.

Por enquanto, amostras de ouro de todo o Brasil estão sendo adicionadas a um banco de dados com a ajuda dos peritos do Instituto Nacional de Criminalística da PF em Brasília, onde o coordenador do programa Ouro Alvo, Erich Moreira Lima, supervisiona a análise microscópica de pepitas de ouro guardadas em um cofre.

"Agora que temos uma equipe formada, esperamos analisar as 30.000 amostras de ouro que o Serviço Geológico do Brasil coletou. Em alguns anos, devemos ter mapeado todas as 24 regiões produtoras de ouro do Brasil", disse ele à Reuters.

Ouro de regiões como a terra Yanomami, em Roraima, e outras localidades nos Estados do Pará, Amapá e Mato Grosso já estão sendo catalogados.

A geóloga Maria Emilia Schutesky e sua equipe no laboratório de geociências da Universidade de Brasília realizam análises de espectrometria de massa em amostras de ouro para identificar moléculas associadas, como chumbo, e determinar as origens do ouro.

"Nós, pesquisadores, buscamos uma capacidade de rastreamento de ouro de 100%, mas isso é mais do que a polícia precisa para comprovar um crime, que é apenas estabelecer que o ouro não vem de onde o suspeito afirma que vem", disse Schutesky.

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