Palestinos rejeitam plano de Trump de deixarem Gaza: 'Medo de ir e nunca mais voltar'

Diante de sua casa em Gaza destruída pela ofensiva militar de Israel, Shaban Shaqaleh pretendia levar sua família para uma viagem ao Egito quando o cessar-fogo entre Hamas e Israel estivesse firmemente estabelecido.
Mas teve de mudar de ideia após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciar seus planos de reassentar palestinos de Gaza e reconstruir o enclave, sem que os moradores tenham o direito de retornar.
O bairro de Tel Al-Hawa, na Cidade de Gaza, onde antes havia dezenas de prédios de vários andares, está praticamente deserto agora. Não há água encanada nem eletricidade e, assim como a casa de Shaqaleh, a maioria dos prédios está em ruínas.
"Estamos horrorizados com a destruição, o deslocamento repetido e a morte, e eu queria ir embora para garantir um futuro seguro e melhor para meus filhos — até que Trump disse o que disse", afirmou à Reuters Shaqaleh, de 47 anos, por meio de um aplicativo de bate-papo.
"Depois dos comentários de Trump, cancelei a ideia. Tenho medo de ir embora e nunca mais poder voltar. Esta é a minha terra natal."
Palestinos temem que o plano de Trump imponha outra Nakba, ou Catástrofe, quando sofreram expulsões em massa em 1948 com a criação de Israel.
De acordo com o esquema de Trump, os cerca de 2,2 milhões de palestinos de Gaza seriam reassentados e os Estados Unidos assumiriam o controle e a propriedade do território costeiro, transformando-o em uma "Riviera do Oriente Médio".
"A ideia de vender minha casa ou o pedaço de terra que possuo a empresas estrangeiras para deixar a terra natal e nunca mais voltar está completamente descartada. Estou profundamente enraizado no solo de minha terra natal e sempre estarei", disse Shaqaleh.
Qualquer sugestão de que os palestinos deixem Gaza — que faria parte de um Estado independente, assim como a Cisjordânia, tendo Jerusalém Oriental como capital — tem sido um anátema para a liderança palestina há gerações. Os Estados árabes vizinhos a rejeitam desde o início da guerra de Gaza em 2023.
PRAZO
Após o Hamas dizer, na segunda-feira, que estava suspendendo a libertação de reféns israelenses estabelecida no acordo de cessar-fogo devido a supostas violações israelenses, Trump disse que o grupo militante palestino deveria libertar todos aqueles que ainda detém até o meio-dia de sábado ou deve propor o cancelamento da trégua e "deixar o inferno explodir".
"Um inferno pior do que já temos? Inferno pior do que as mortes?", disse Jomaa Abu Kosh, um palestino de Rafah, no sul de Gaza, ao lado de casas devastadas.
Uma mulher, Samira Al-Sabea, acusou Israel de bloquear a entrega de ajuda, algo que Israel nega.
"Somos humilhados, os cães de rua estão vivendo uma vida melhor do que a nossa", disse ela. "E Trump quer transformar Gaza em um inferno? Isso nunca vai acontecer."
Israel iniciou a atual investida em Gaza após ataque liderado pelo Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023, que matou cerca de 1.200 pessoas e fez cerca de 250 reféns, de acordo com os registros israelenses.
A operação matou mais de 48.000 palestinos, segundo as autoridades de Gaza, e destruiu grande parte do enclave.
Alguns habitantes de Gaza disseram que os líderes palestinos precisam encontrar uma solução para seus problemas.
"Não queremos deixar nosso país, mas também precisamos de uma solução. Nossos líderes — o Hamas, a AP (Autoridade Palestina) e outras facções — precisam encontrar uma solução", disse um carpinteiro de 40 anos que deu seu nome como Jehad.
"ELE É DONO DE GAZA?"
Na Cisjordânia ocupada, os palestinos também ficaram horrorizados com as palavras de Trump.
"Ele é dono de Gaza para pedir às pessoas que saiam de lá?", questionou Nader Imam. "Com relação a Trump, eu só culpo o povo americano. Como pode um país como este, uma superpotência, aceitar uma pessoa como Trump? Suas declarações são selvagens."
"O que Trump fará? Não há medo, confiamos em Deus", disse outro morador da Cisjordânia, Mohammed Salah Tamimi.
A proposta abalou décadas de esforços de paz dos EUA, construídos em torno de uma solução de dois Estados, e aumentou a pressão sobre os vizinhos Egito e Jordânia para que aceitem os palestinos reassentados.
Os dois países, que recebem bilhões em ajuda dos Estados Unidos, rejeitaram o plano citando preocupações com a segurança nacional e seu compromisso com a solução de dois Estados.
Para a Jordânia, que faz fronteira com a Cisjordânia e absorveu mais palestinos do que qualquer outro Estado desde a criação de Israel, o plano é um pesadelo.
Trump disse que poderia suspender a ajuda à Jordânia e ao Egito caso eles se recusem a cooperar. O rei Abdullah da Jordânia encontra-se com Trump em Washington nesta terça-feira.
"A Jordânia jamais aceitará resolver essa questão às suas custas", disse Suleiman Saud, presidente do Comitê Palestino na Câmara dos Deputados da Jordânia. "A Jordânia é para os jordanianos, e a Palestina é para os palestinos."
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