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Análise: Tarifa dos EUA sobre aço e alumínio é jogada de Trump para rever regras da OMC

29/04/2018 23h00

Um vendaval está se aproximando do comércio mundial.

É verdade que as regras da OMC que governam o comércio de bens estão se tornando obsoletas. A economia mundial está vivendo uma revolução na maneira de produzir, consumir e se comunicar. As tecnologias digitais estão criando uma nova matriz econômica e comercial. A chamada “globalização” não está acabando: ela só está mudando de cara e tornando-se ainda mais poderosa.

As novas técnicas de produção e distribuição estão reduzindo barbaramente o custo de fabricação de um produto físico, e criando um padrão de consumo onde o que conta são os inúmeros serviços “embutidos” nesse bem físico. O valor de um iPhone não é o aparelho em si, mas o ecossistema de serviços e aplicativos que ele permite acessar.

A questão central hoje é quem vai ficar com a "parte do leão" do valor adicionado e dos lucros da nova economia global. A resposta é simples: quem dominar a utilização produtiva das novas técnicas – Inteligência Artificial, Internet das Coisas, Big Data, impressoras 3-D, robôs, etc. Quem continuar dependendo dos meios de fabricação tradicionais ou da exportação de matérias-primas, vai sofrer.

Valor dos produtos mudou

Hoje, a competição econômica é cada vez menos entre cadeias de valor global vendendo bens produzidos em massa para o consumo internacional de massa. As gigantescas plataformas digitais norte-americanas ou os produtos industriais de ponta conectados – fabricados em regiões avançadas sobretudo na Europa e nos Estados Unidos, mas também em alguns (poucos) pontos no Japão e na China – estão mudando as regras do jogo.

O que vale mais é a produção digitalizada, conectada e “customizada”, para um consumo global mas personalizado. É isso que americanos e europeus entenderam. Diante dos avanços da China, os dois “grandes” do comércio e da economia global não estão a fim de perder sua supremacia.

A OMC foi construída e pensada para o mundo antigo, no qual o comércio de bens era o coração dos negócios e do poder econômico. Agora, o campo de batalha é propriedade intelectual, serviços, regras de investimento, barreiras não-tarifárias - tudo que a OMC não tem condições de cobrir.

As tarifas sobre o aço e o alumínio proclamadas por Donald Trump são só uma jogada brutal para lançar uma negociação sobre novas regras do comércio mundial – além de serem uma pequena “bondade” para agradar aos seus eleitores dos setores produtivos mais tradicionais. Uma maneira de forçar os europeus a entrar nesse jogo. E as recentes visitas do presidente francês e da chanceler alemã em Washington provaram, sobejamente, que a Europa (fraca e dividida) não tem outra saída senão encontrar um jeito de se alinhar. Sem falar que os europeus também estão muito preocupados com as ofensivas chinesas no comércio e investimentos.

Impacto nos emergentes

Nada disso é boa notícia para as economias ditas “emergentes”. Nos últimos vinte anos, muitas – inclusive a China – prosperaram graças às grandes cadeias produtivas transnacionais e a liberalização do comércio de bens, garantido pela OMC. Mas nenhuma delas está verdadeiramente pronta a abrir o seu setor de serviços, ou a negociar para valer as barreiras não-tarifárias e regulamentações domésticas. Acordos comerciais tradicionais não bastam mais. E a brutalidade do “America First” de Donald Trump não vai deixar muito espaço para se mexer. Quem pode, pode; quem não pode se sacode.