Moda : Exposição em Paris marca os dez anos da morte de estilista Yves Saint Laurent
Antes de desembarcar em Paris e começar sua carreira como assistente na Maison Dior em 1955, Yves Saint Laurent vivia em Orã, na Argélia, sua terra natal. Inspirado principalmente pelo teatro e pela literatura, o jovem tímido passou a infância e a adolescência desenhando. Essas imagens, que alimentaram o imaginário do futuro costureiro, estão expostas até 9 de setembro no Museu Yves Saint Laurent de Paris. A mostra, que marca os dez anos da morte do estilista, traz ainda fotos de sua infância, muitas delas exibidas pela primeira vez.
A exposição prova que o universo de Saint Laurent parece ser inesgotável. A prova disso são os dois museus inaugurados no ano passado, em Paris e Marrakech, as duas biografias no cinema, em 2014, mas também os inúmeros livros sobre sua vida. Sem contar o leilão da coleção de arte que construiu com seu sócio e companheiro Pierre Bergé, que virou até documentário.
Para Florence Muller, que dirige o Departamento Moda do Denver Art Museum, Saint Laurent continua inspirando, mesmo se havia deixado oficialmente sua marca em 2002 e que a grife já não lhe pertencia havia muito tempo. “Ele deixou uma herança não apenas em termos de estilo, mas também do ponto de vista sociológico”, afirma a historiadora da moda, que foi comissária de várias exposições sobre a obra do costureiro.
Segundo ela, do lado da moda ele inventou algumas “fórmulas mágicas”, como o smoking para mulheres ou o uso do trench-coat. “São clássicos que continuam sendo reproduzidos até hoje”. Outro exemplo é o casaco de marinheiro, que ganhou as ruas com Saint Laurent e nunca mais saiu do guarda-roupa urbano, como pode ser visto nas passarelas da marca Chloé em 2015, no desfile da Sacai no ano seguinte ou na coleção Paco Rabanne da última Fashion Week parisiense. Mas a principal transformação, ressalta a historiadora, foi a maneira de conceber a alta-costura e o prêt-à-porter, “muito mais próximos do estilo de vida cada vez mais ativo das mulheres”. Algo que se traduz por peças (e marcas) que podem se misturar, virando a página do total look em vigor até então.
Nesse sentido, pode-se dizer que Saint Laurent contribuiu para a democratização da moda. Com a criação, em 1967, de sua segunda marca, “Saint Laurent Rive Gauche”, ele propôs um prêt-à-porter de luxo, provando que era possível ser criativo além dos salões quase inacessíveis da alta-costura.
Liberar as mulheres sem ser feminista
Já em termos de legado sociológico, o costureiro ajudou, como Chanel antes dele, a liberar as mulheres do estilo de vestuário que travava os movimentos do corpo, em partes graças ao uso dos códigos do guarda-roupas masculino. No entanto, Saint Laurent nunca se viu como um feminista. “Ele detestava o feminismo e sempre disse que não queria ‘transformar as mulheres em sufragistas’”, se recorda Florence Muller. “Nos anos 1970, ele considerava que o combate já tinha acabado e que era possível passar para um estado de evolução mais apaziguado. O que contava para ele era a sedução. Ele queria uma harmonia entre os sexos e expressava isso por meio das roupas, misturando masculino e feminino”, explica a historiadora.
Entretanto, o trabalho do costureiro sempre teve pitadas de provocação e ironia. Como em 1969, quando lançou uma coleção claramente inspirada do movimento hippie, mesmo se boa parte de sua clientela era bem distante dos ideais dos jovens da época, contrários à sociedade de consumo. No ano seguinte, apresentou um desfile batizado de “Anos 1940”, no qual revisitava o período da Ocupação Nazista na França. Duramente criticada por ter se baseada em um momento histórico que os europeus preferem esquecer, a coleção é estudada por todos os estudantes de estilismo até hoje, como o momento em que o retrô entrou na moda.
Mick Jagger da moda
Mas foi principalmente a personalidade de Saint Laurent, impulsionado por Pierre Bergé, seu pigmaleão, que transformou o costureiro em pop star. “Ao contrário de Christian Dior, que não era bonito, e tinha consciência disso, Saint Laurent era um homem belo e carismático. Com seu corpo magro e seus músculos bem definidos, ele encarnava a imagem ideal dos anos 1960 e 1970, a década da juventude, quando os jovens não queriam mais parecer com seus pais. Ele era, na moda, o equivalente do Mick Jagger”, resume a historiadora. Tudo isso fez dele um “costureiro celebridade”: Saint Laurent teve seu retrato pintado por Andy Warhol em 1970, posou nu para a publicidade do perfume Pour Homme em 1971, e que se tornou, em 1983, o primeiro estilista vivo a quem o Metropolitan Museum de New York dedicou uma exposição.
Hoje, a marca Saint Laurent, que pertence ao grupo de luxo Kering, e continua a existir sob a direção artística do belga Anthony Vaccarello, ainda se inspira nos códigos do passado da maison. Mas, além disso, vários “herdeiros simbólicos” seguem seus passos. “A maioria dos estudantes de moda continuam fascinados pela sua história e sonham em ser o novo Saint Laurent”, conclui Florence Muller. E o início dessa saga começou justamente em Orã, com os desenhos de juventude expostos atualmente em Paris.
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