Infanticídio e canibalismo de tragédia clássica impactam no Festival de Avignon
Enviada especial a Avignon
A tragédia, considerada inenarrável por muitos especialistas, relata a vingança do rei Atreu contra seu irmão gêmeo Tiestes. Por ter seduzido a esposa de Atreu, Tiestes é condenado a comer, sem saber, os próprios filhos e a beber o sangue deles num banquete cruel.
A adaptação contemporânea de Jolly, com uma atmosfera de ficção científica, impressionou os espectadores do festival.
Crime contra a humanidade
Para transpor essa vingança hedionda de Atreu para nossa linguagem atual, a tradutora da obra e latinista emérita, Florence Dupont, que trabalhou de maneira estreita com o diretor, utiliza o termo “crime contra a humanidade”. Um crime que nenhuma justiça humana pode punir – dizia Sêneca.
Thomas Jolly ocupa plenamente o palco medieval do Palácio dos Papas em Avignon com sua encenação da tragédia que teria inspirado Shakespeare para personificar um outro monstro da dramaturgia: Ricardo III.
Esculturas monumentais no palco e efeitos sonoros e visuais contribuem para a dramaticidade e para mostrar a apocalipse vivida pelo reinado de Micenas após a vingança do rei Atreu, interpretado pelo próprio Thomas Jolly.
“A monstruosidade está nas palavras e não na cena”
Essa tragédia, em torno de um banquete canibal e do assassinato de crianças, é, no entanto, narrada com palavras e não com cenas violentas explícitas. “O que vemos no palco é muito menos impactante do que o que imagina cada espectador” afirmou Jolly nesse sábado (7) durante um encontro com a imprensa em Avignon.
“A monstruosidade está nas palavras”, completa o diretor que não esconde sua paixão pela ficção científica, pelas séries de televisão e pelo teatro popular e espetacular.
Segundo ele, essa tragédia ultrapassa em muito o drama familiar. “Ao matar os filhos de Tiestes, com todos os rituais dos sacrifícios religiosos feitos com animais, Atreu rompe com a religião, com o sistema. Ele comete um atentado", conclui, repetindo a frase do personagem da Fúria: “Tudo ficará nas trevas: a religião, a justiça e a confiança entre os homens”.
Relação com a atualidade
O jovem diretor vê vínculos fortes entre essa peça e a atualidade. “Sêneca nos diz nessa tragédia que a violência e a vingança nos levam a um impasse” - afirma ele, lembrando a frase com a qual o filósofo e dramaturgo romano termina a tragédia: “Uma única coisa nos trará a paz: um tratado de indulgência mútua”. Um apelo pela tolerância, conclui o diretor.
Aos 36 anos, Thomas Jolly, é uma figura emergente na cena teatral francesa. Em 2014 ele se destacou no Festival de Avignon com a montagem da trilogia de Shakespeare, Henrique VI, um “espetáculo-maratona” com duração de 18 horas. Em 2016, ele se consagrou no Teatro Odéon com a direção e interpretação de Ricardo III, também de Shakespeare, um espetáculo com cenas góticas e de ópera-rock.
Tiestes (em francês Thyeste) fica em cartaz no Festival de Avignon até 15 de julho.
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