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Final da Copa gera clima de união em Paris, mas festa é marcada por tensões sociais

15/07/2018 21h25

Os franceses bateram a Croácia por 4 a 2 e se tornaram campeões da Copa de 2018 da Rússia, após terem vencido times fortes como Argentina e Bélgica. Na hora da vitória, a avenida Champs-Élysées se tornou palco de uma grande celebração que relembra, vinte anos depois, a conquista de 1998.

A equipe de Didier Deschamps não decepcionou os torcedores, que acompanharam os jogos como puderam: no telão da torre Eiffel, organizado dentro de uma mega operação de segurança, amontoados em bares ou com amigos, dentro de casa.

Duas horas antes do jogo, às três da tarde na capital francesa, a “fan zone” organizada aos pés da torre Eiffel, no Champ de Mars, já estava lotada e completa – ninguém mais podia entrar. Esse fato, por si só, já demonstra a comoção provocada pela participação da França na final da Copa do Mundo, capaz de unir os torcedores fanáticos, que assistiram jogo por jogo, e os que “pegaram o bonde andando” e só começaram a torcer na reta final. No fim, a vontade de ganhar e levar a taça para a casa era a mesma.

“Não assisti a todos os jogos, mas acompanhei todos os resultados, e torci pela França desde o início. Uma final de Copa não acontece todos os dias, ainda que a França tenha tido a chance de chegar a três finais em duas décadas”, afirma Nicolas, 23 anos. “Temos ótimos jogadores. Individualmente, cada um tem suas qualidades.”

“É a diversidade da equipe que faz sua riqueza”, declara Abdel, 24. “Para mim a verdadeira França é essa. Somos uma mistura, a França, em sua base, é feita de diversas culturas. Aqui, nas ruas, o que você vê são brancos, negros e árabes”, diz, fazendo referência ao slogan de 1998, “Black Blanc Beur”, que, para ele, continua mais do que atual.

Cidade paralisada por grande festa

Como acontece na maior parte dos jogos de futebol, cada lance da partida contra a Croácia foi marcado por uma reação do público que deixava claro, pelo menos em Paris, que a França estava levando a melhor. Espremidos entre os bares, ou às vezes até sentados na rua com a intenção de dar uma espiada nos telões instalados em restaurantes já completos, diversos torcedores preferiram a companhia e a agitação para assistir a última jornada dos “Bleus”.

De cara pintada, enrolados na bandeira e enfeitados das mais variadas formas, torcedores de toda a parte se uniram numa multidão que, por um dia, compartilhava o mesmo sentimento de vitória. Eles vieram de outras cidades, de outros países, da periferia, de Paris mesmo – alguns só precisaram abrir a janela e ficar da sacada acenando – para celebrar com os jogadores da equipe “Azul”.

É o caso de Arthur, de 23 anos, que vive há dez anos em Munique, na Alemanha, e veio no fim de semana à Paris somente para ver o jogo com os compatriotas. “Vim ver a França fazer história aqui, na Champs-Élysées. Torci pela França minha vida toda e tinha 4 anos quando ganhamos pela última vez. Estar nessa final representa, para mim, o resultado de um trabalho em equipe. Pegamos as diferenças, misturamos tudo e pronto, somos todos um, temos um só objetivo. É isso a França”, diz.

Momento de confraternização é perpassado por tensões sociais

Didier Deschamps não é esquecido pelos torcedores. “O segredo da equipe francesa é o estado de espírito de Deschamps. O time foi impactado por sua técnica, sua estratégia e sua experiência. Só podia terminar assim, já estava escrito”, declara Alexandre, de 23 anos.

O técnico francês apareceu, inclusive, na capa da revista Marianne, com o título “Deschamps para presidente!”. O bom resultado ao dirigir uma equipe com uma grande diversidade racial parece ser oposto ao do governo Macron, criticado diversas vezes por sua política migratória.

Mas, ainda que a vitória e o bom desempenho da França coloquem o país numa espécie de “bolha da solidariedade”, onde todos parecem se respeitar e se amar, as fraturas do multiculturalismo não deixaram de aparecer em alguns momentos na Champs-Élysées.

Foi o caso quando, repetidas vezes, alguns jovens decidiram erguer a bandeira da Argélia ou da Tunísia, num ponto bem alto, em uma atitude provocativa que resultou em vaias. Ou quando, durante uma entrevista com uma francesa, um homem se aproxima para gritar, em inglês, “Um, dois, três, viva a Argélia!” e escuta como resposta “Não, viva sobretudo a França”. A impressão é de que o momento de festa apenas deixou em modo latente os antigos conflitos do país, que só aguardam para retornar.

Jogadores jovens e ganho de confiança explicam a vitória para torcedores

Após a vitória, fica fácil colher elogios. E os torcedores que estavam pelas ruas de Paris entraram em um consenso sobre o segredo da equipe francesa. Os ingredientes da vitória, em 2018, foram a humildade, o trabalho em equipe, a força de vontade e a confiança – que, é claro, aumentou a cada passo dado em direção à taça, até chegar ao ponto de marcar quatro gols contra a Croácia.

O fato de ser um time com jogadores jovens, como Antoine Griezmann e Kyllian Mbappé, não é visto como defeito: pelo contrário, assim como a diversidade, essa é uma das joias da equipe.

“Foi a mistura entre jogadores experientes e jovens que fez a coisa funcionar. Foi o que funcionou para a Alemanha na Copa das Confederações. No começo, podemos ser honestos, ninguém estava crendo muito. Mas, a medida que fomos ganhando, também passamos a ter mais confiança, e isso mudou o jogo”, afirma Aurélia, de 19 anos, “fã de futebol”.

No grupo de amigos de Alex, 23 anos, Clément, 24, e Violaine, 21, não houve nenhum momento de hesitação quando eles tiveram que escolher o melhor jogador do time: Mbappé, responderam. “Ele representa a juventude, além do mais é um francês muito bonito”, diz Alex, no meio das gargalhadas e dos gritos de “Somos campeões”.

Com a taça na mão e o fim do campeonato mundial – o que significa um retorno ao cotidiano – talvez a próxima etapa para a França seja conquistar a longevidade do discurso da união nacional, aquele que não liga para as diferenças e é capaz de durar mais do que uma partida de futebol.