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Livro mostra como poder econômico compra eleição e enfraquece democracia

23/08/2018 23h00

Não é só no Brasil que a democracia está em crise.

"O dinheiro compra eleições", observa a economista francesa Julia Cagé, professora do instituto de ciências políticas Sciences Po, em Paris. Ela acaba de lançar o livro "O preço da democracia" ("Le prix de la démocratie") pela editora Fayard e sugere formas de minimizar o efeito dessa distorção em uma entrevista à revista semanal L’Obs.

Julia Cagé é casada com o economista Thomas Piketty, autor de “O capital no século XXI”, o estudo sobre a concentração de riqueza e a evolução da desigualdade com mais de 2,5 milhões de exemplares vendidos no mundo. Com um currículo brilhante e doutorado em Harvard, Julia Cagé tem uma carreira sólida, independente de Piketty.

A economista analisou as campanhas legislativas e municipais na França desde 1993 e constatou que o financiamento privado teve um forte impacto sobre os resultados. Ela chegou à conclusão que o preço do voto no país vale, em média, € 32 (R$ 150). Todo candidato com um caixa de campanha capaz de gastar o dobro ou mais que um adversário conquista um voto a mais que seu concorrente. Sem regulamentação suficiente, o dinheiro compra uma eleição na mais absoluta legalidade.

A argumentação parece óbvia, mas a autora garante que o financiamento assimétrico das campanhas políticas está acabando com a democracia. Os partidos conservadores e os candidatos mais ricos são os que mais se beneficiam desse sistema. Os interesses das camadas desfavorecidas não são representados.

Na França, um cidadão pode doar até € 7.500 (R$ 35.600) por ano a um partido político, mais € 4.600 (R$ 21.800) a cada campanha eleitoral. O contribuinte ainda pode descontar dois terços do valor doado no imposto de renda. Segundo Julia Cagé, os doadores de campanhas na França representam 0,1% dos mais ricos e inundam de dinheiro os candidatos que vão defender seus interesses. Ela critica a legislação eleitoral francesa que, ao restituir no imposto os valores doados pelos mais ricos, transfere o gasto aos contribuintes de classe média.

O financiamento de campanhas vinculado aos resultados das legislativas anteriores também impede a emergência de novos partidos, principalmente aqueles ancorados mais à esquerda.

Para corrigir essa distorção e garantir a renovação política, a economista sugere a criação de um cheque cidadão de € 7 ao movimento político de livre escolha da pessoa. A doação seria assinalada na declaração anual do imposto de renda. Caso a pessoa não queira indicar um partido, o Estado distribuiria proporcionalmente o dinheiro de acordo com o número de deputados eleitos de cada partido na legislatura anterior. Por fim, ela propõe um sistema de cotas para a Assembleia Nacional, em que um terço dos candidatos seriam provenientes das camadas mais pobres da população.

Julia Cagé está convencida de que o futuro da democracia depende de maior representatividade social nas instituições.