"Mulheres brasileiras sempre foram vistas como patrimônio do homem", diz diretora-presidente da ONG Artemis
Os casos de violência e assassinatos de mulheres no Brasil estampam capas de jornais e são manchetes de noticiários diariamente. A crueldade da morte da advogada Tatiane Spitzner pelo marido, o biólogo Luís Felipe Manvailer, em julho, em Guarapuava (PR), chegou a ganhar repercussão internacional. Mas o intenso debate sobre as agressões domésticas contra as brasileiras e o feminicídio traz poucos resultados concretos ao problema.
“As mulheres sempre foram vistas como posse e extensão do patrimônio e do domínio do homem”, afirma Raquel Marques à RFI. Segundo ela, a questão data de décadas. “Apesar de tanto avanço e desconstrução em muitas áreas da sociedade, esse aspecto doméstico mostra que as mulheres de hoje são como as do período colonial: uma propriedade do senhor, do dono daquela casa”, diz.
A tolerância à violência contra a mulher começa pela própria justiça, avalia a ativista, com os juízes utilizando a lei com parcimônia para não interferir na liberdade do agressor. A principal consequência da falta de rigor ao aplicar leis como a Maria da Penha e a Lei do Feminicídio é a normalização da violência doméstica.
Ciclo de violências
“É preciso lembrar que a violência tem um ciclo: começa com agressões verbais e ameaças, parte para as agressões físicas leves, depois as pesadas, até chegar ao feminicídio. Por isso, qualquer pessoa que é tolerante às mínimas violências que podem acontecer no âmbito doméstico contra uma mulher está sendo tolerante também a um ciclo de violência que tende a culminar no feminicídio”, ressalta.
Os ciclos das agressões contra a mulher demoram anos para evoluir, alerta a diretora-presidente da ONG Artemis, tornando-as reféns dessa situação. “Espera-se que a mulher sofra extremamente para que alguma medida seja tomada. Mas é necessário que essa violência seja discutida antes de ela acontecer”, diz.
De acordo com a militante, o problema se torna mais grave devido a uma incompreensão geral e muitas vezes machista no Brasil. “As mulheres estão sujeitas às violências do mundo, como os homens, mas centenas são mortas simplesmente por serem mulheres. Essas agressões são cometidas por homens e não há uma simetria - como muitos tentam justificar quando dizem que as mulheres também matam seus companheiros. Não é possível continuar achando normal ou aceitável assassinar mulheres.”
Por isso, para Raquel Marques, é preciso sobretudo investir em educação e prevenção dessas violências. “Tanto para as mulheres saberem como buscar ajuda, quanto para os homens, de forma que possam rever esses padrões de masculinidade que são aprendidos e replicados”, conclui.
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