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Uso de Forças Armadas em Roraima é apenas demonstração de autoridade, diz pesquisador francês

29/08/2018 14h05

A decisão do presidente brasileiro Michel Temer de fazer uso das Forças Armadas na fronteira de Roraima com a Venezuela não passa de uma operação de ...

“Não é a primeira vez que o presidente Temer faz uso das Forças Armadas por uma questão de segurança interna. Podemos citar o Rio de Janeiro, onde, há seis meses, temos uma intervenção militar”, diz o pesquisador. “Na fronteira com Roraima, poucos homens foram enviados, então não vejo como isso pode mudar a situação. Por que militares e não simplesmente forças de segurança clássicas? Ou mesmo uma assistência econômica ou humanitária?”

Souchaud reitera sua tese de que o envio das Forças Armadas servirá apenas para suprir uma “carência de autoridade”. Ele lembra que as eleições se aproximam e que o governo precisa, portanto, mostrar que não está inerte. Com o crescimento de movimentos de extrema-direita e a recente greve dos caminhoneiros, que provocou uma crise geral no país, o Estado tenta compensar as demandas sociais através da demonstração simbólica de poder.

“As Forças Armadas obedecem perfeitamente ao objetivo do governo: dar a entender que tudo está sob controle e que o Estado está agindo com autoridade e linha dura”, explica o pesquisador. “Os resultados, entretanto, são modestos ou pouco eficazes, como vimos no Rio, onde nada mudou. Ainda é cedo para saber o que vai acontecer, mas não acho que as Forças Armadas vão mudar alguma coisa na situação da fronteira com a Venezuela.”

Episódio de xenofobia foi isolado e não representa sociedade brasileira

Com relação às recentes violências cometidas contra migrantes venezuelanos em Roraima, Sylvain Souchaud afirma que o episódio aconteceu num contexto isolado e não representa o sentimento da sociedade brasileira como um todo. “O que acontece é que Roraima tem uma geografia particular, é um estado pouco habitado, com cerca de 300.000 habitantes na capital, Boa Vista. Além disso, a fronteira brasileira é composta por pequenos vilarejos, com poucos recursos, e quando se confrontam com um grande fluxo de migração os serviços sociais ficam logo lotados. É claro que isso cria tensões.”

Além disso, segundo Souchaud, é preciso levar em conta que os migrantes da Venezuela são também mulheres grávidas ou idosos, que fazem uso regular dos serviços públicos. Sem esquecer, também, que o Brasil enfrenta sua própria crise, com altos índices de desemprego. “Fala-se em 2.000 pessoas instaladas nas ruas perto da fronteira com a Venezuela”, ressalta o pesquisador.

Distribuição de migrantes é uma opção, mas não será suficiente a longo prazo

Para o especialista, a migração da Venezuela é difícil de ser categorizada. “Os migrantes conhecem mal o país. Uma parte deles nem fica. Dos cerca de 120.000 venezuelanos que entraram no Brasil, quase a metade saiu do país, uma outra parte está na fronteira com Roraima. O restante se instalou no Rio de Janeiro ou em São Paulo”.

Os migrantes podem pertencer a várias classes sociais, mas aqueles que atravessam a fronteira à pé, segundo Souchaud, são pessoas bastante fragilizadas pela crise venezuelana. “É preciso conduzir uma parte dessas pessoas a outras cidades, prontas para acolhê-las, com estruturas sociais menos saturadas”, diz.

Mas a distribuição de indivíduos entre diferentes estados, como tem sido sugerido para o caso da crise migratória na Europa, não será suficiente para conter a situação brasileira, analisa Souchaud. “Temer já disse que vai colocar em prática o programa de envio dos migrantes, o que chamamos de ‘interiorização da migração’, para estados como Rio Grande do Sul. No entanto, essa decisão não está à altura do desafio migratório”, finaliza.