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Falta de confiança na Argentina provoca histeria financeira, com desvalorização recorde do peso

30/08/2018 17h35

Em meio a uma desconfiança generalizada sobre o rumo da economia e sobre a capacidade de financiamento do governo argentino, o mercado impôs uma nova jornada de forte perda do valor da moeda Argentina. Em 24h, uma desvalorização recorde de 15,6% sobre outros 7% de queda no dia anterior. Desde o começo da crise cambial em abril, a moeda argentina já acumula 100% de desvalorização, apesar das medidas de emergência do governo.

Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

No final do dia, quando a desvalorização superava os 18%, o Banco Central vendeu dólares para conter a queda. Logo na primeira hora, quando a corrida cambial já estava em 15%, o Banco Central aumentou em cinco pontos a taxa de depósitos compulsórios para os bancos privados e elevou de 45% a 60% a taxa de juros de referência. As medidas não foram suficientes para conter a febre do dólar.

Analistas de mercado apontam para a necessidade de uma política fiscal e monetária que provoque um choque de confiança em substituição de uma política errática e de uma ausência de programa financeiro claro. Em outras palavras, o mercado quer saber se o governo argentino tem capacidade de pagar os vencimentos da dívida durante 2019 e, para isso, quer ver um ajuste fiscal mais acelerado.

"Não estamos diante de um fracasso econômico", insistiu o chefe do gabinete de ministros, Marcos Peña, homem forte do governo de quem muitos esperam a renúncia como mostra de uma mudança de rumo. Durante o dia, rumores indicavam a possibilidade de uma mudança na área econômica.

"Estamos convictos de que há um rumo claro, de que vamos sair fortalecidos desta crise", reafirmou Peña, perante uma plateia de empresários.

No sentido oposto, aquele que aparece indicado para substituir Peña não descartou mudanças no gabinete de ministros. "Não há que subestimar os problemas. A equipe é totalmente prescindível. A equipe pode mudar, assim como os instrumentos de política para atingirmos os objetivos que traçamos no começo da gestão", afirmou o ministro do Interior, Rogelio Frigerio, dirigindo-se à mesma plateia.

Tempestade perfeita

O setor da construção civil, agora sob investigação no maior caso de corrupção da história do país, foi o grande motor do crescimento argentino de 2,9% em 2017, primeiro ano de crescimento desde 2011. No começo do ano, a previsão de crescimento em 2018 chegava a 3,5%. Nesta semana, o governo admitiu uma contração de 1%. A inflação inicialmente prevista em 15,7% agora pode ficar em 35%, formando um coquetel letal de recessão com alta inflação.

"A retração de 1% seguramente será maior. Se a inflação ficar em 35% será com muita sorte. É a pior combinação não só econômica, mas política e social", prevê Daniel Artana, economista chefe da Fundação de Investigações Econômicas Latino-americanas (FIEL).

De todos os emergentes, a Argentina é o mais afetado. Desde abril, quando começou a crise, o peso argentino perdeu cerca de 100% do seu valor em relação ao dólar. A taxa de risco-país ronda os 730 pontos, uma das mais elevadas do mundo, indicando que o mercado desconfia da capacidade de financiamento do governo, mesmo depois de um crédito recorde do FMI por 50 bilhões de dólares. O nível de endividamento do país passou de 52% do PIB em 2015 para os atuais 69%.

Perante a falta de confiança na capacidade de financiamento da Argentina durante 2019, o presidente Macri anunciou que o FMI antecipará para 2019 os desembolsos previstos para 2020 e 2021 pactados no acordo. São cerca de 29 bilhões de dólares. O anúncio, no entanto, longe de levar a calma desejada ao mercado fez o peso desvalorizar-se ainda mais.

"Há um freio total à entrada de capital no país. Os investidores têm a sensação de que se o governo gasta os dólares para conter a desvalorização da moeda e que não haverá suficiente depois para pagar a dívida. Desfazem-se de papeis argentinos", observa Artana.

No meio do cabo-de-guerra

O mercado duvida tanto da capacidade de pagamento da dívida quanto de recorte do déficit fiscal. O governo comprometeu-se em baixar o déficit de 3,2% a 2,7% do PIB neste ano e a 1,3% em 2019. Mas não dá sinais claros de determinação política. Fica num difícil equilíbrio entre uma visão popular para a qual o ajuste já foi brutal e a visão do mercado para o qual foi insuficiente.

"Os investidores pensam que, se não há um ajuste agora, menos pode haver num ano eleitoral", interpreta Daniel Artana em relação a 2019.

"O único caminho para sair da turbulência é resolver o desequilíbrio fiscal", admite o ministro da Fazenda, Nicolás Dujovne, indicando agora que os 1,3% passam a ser agora um piso no recorte.

"O escândalo também freou transitoriamente a entrada de capitais", disse o ministro, em referência ao caso "Cadernos da Corrupção" que indica uma limpeza a médio e longo prazo, mas que complica o curto prazo ao questionar todas as empreiteiras do país que poderiam ser um motor de crescimento e de emprego.

Para completar, a Argentina também sofre o impacto de um processo eleitoral incerto no Brasil, seu principal sócio comercial e maior importador de bens manufaturados que aprofunda o déficit comercial argentino.