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Inteligência artificial deve aumentar o fosso da desigualdade, diz especialista francês

21/09/2018 14h56

O advento da tecnologia digital em todas as dimensões da atividade humana ainda levanta muitas dúvidas.

Formado na Escola Nacional de Administração, também médico-cirurgião, Alexandre é um provocador assumido e um dos palestrantes mais requisitados da França quando o assunto é a sociedade do futuro.

RFI - Em todo o mundo, há exemplos de como a Internet, associada a um telefone celular, pode ajudar na busca por um emprego ou na oferta de serviços e mercadorias. Diante disso, muitos se perguntam se a tecnologia conseguirá fazer o que políticas sociais de desenvolvimento não fizeram em décadas: reduzir a desigualdade?

Alexandre Laurent - Nós sempre imaginamos que a tecnologia, em especial a Internet, poderia aproximar as pessoas, mas agora a tecnologia cria dois problemas: ela criou um fosso entre aqueles que a dominam e aqueles que não a compreendem. Atualmente, existe um fosso separando os que ganham com a inteligência artificial, tornando-se milionários, e as pessoas que têm mais dificuldade na economia do conhecimento e têm dificuldade para manter seus empregos. É claro que a Internet e a difusão dos telefones celulares, especialmente nas zonas pobres, permitem inserir no mercado de trabalho pessoas que estavam isoladas, que não tinham acesso aos meios de distribuição tradicional. Então esse é um aspecto positivo. Mas a grande dificuldade que nós teremos é que está aumentando o fosso entre aqueles que se sentem perfeitamente à vontade com a revolução tecnológica e aqueles menos à vontade, e isso se traduz pela explosão da diferença salarial. Nos Estados Unidos, nós vemos empresas como o Google, que dão bônus acima de U$ 100 milhões para um só gênio da informática. E isso gera desigualdade como jamais vimos anteriormente.

RFI – No livro A Guerra das Inteligências, o senhor alerta para um problema futuro que não será tecnológico, mas sim político. Segundo o texto, como o senhor já descreveu, a inteligência artificial poderá dividir a sociedade entre aqueles que se aproveitam da revolução tecnológica e os que não têm acesso à ela, ficando à mercê do primeiro grupo. Diante desse cenário, qual deveria ser a prioridade dos governos?

Alexandre Laurent - A inteligência artificial é sim um problema político. Quer dizer, o que nós faremos com as pessoas cujos cérebros são menos rápidos, que têm menos formação, que frequentaram menos a escola e que não compreendem esse mundo? Na sociedade na qual nós entramos, há uma vantagem tão grande para aqueles que sabem manipular os dados, que compreendem a economia da inteligência artificial, e há uma desvantagem enorme para aqueles que não compreendem a tecnologia da informação. E o problema político é como reduzir essa desigualdade intelectual. Porque no futuro, se não diminuirmos essas desigualdades, nós teremos uma sociedade em duas velocidades. Em seu novo livro, Homo deusuma breve história do futuro, o autor Yuval Noah Harari descreve isso como “Deus e os inúteis”. Ou seja, Deus seriam os mestres do mundo porque compreendem a inteligência artificial e os inúteis estariam completamente perdidos porque não compreendem a inteligência artificial e acabam recebendo salários de subsistência, pagos pelo Estado enquanto esperam a morte.

RFI – A educação seria um caminho para reduzir essas desigualdades?

Alexandre Laurent - A educação tem dois problemas: primeiro que os ricos são melhor formados, são mais educados, pois frequentam melhores escolas do que os pobres. Então, na realidade, a educação não diminui a desigualdade intelectual. E não temos pesquisa suficiente em educação. Deveríamos fazer mais pesquisa científica sobre o cérebro e sobre a ciência da educação, para que, em dez ou vinte anos, a escola consiga reduzir as desigualdades intelectuais. A realidade de 2018 é que a escola favorece os alunos mais inteligentes do que os menos inteligentes.  

RFI – No caso da comunicação, dominada por gigantes como Google, Apple, Facebook e Amazon (conhecidas pela sigla GAFAS) o novo mercado de trabalho inclinaria ainda mais a balança em favor do grande capital. Qual seria o conselho para estudantes de olho no futuro?

Alexandre Laurent - Meu conselho para os jovens é que tenham uma cultura geral de informática, claro, mas não se tornem experts em informática. Seria um erro se todas as crianças se tornassem programadores de informática porque em 10 ou 15 anos os códigos dos computadores serão majoritariamente produzidos pela inteligência artificial. Então, para um estudante ou um jovem que vá entrar na universidade, é melhor ele ter uma grande cultura geral, ler bastante, conhecer história e filosofia do que se tornar um programador. A inteligência artificial no futuro vai produzir códigos e programas melhor do que nós; por outro lado, ela jamais terá conhecimento filosófico e jurídico capaz de nos fazer concorrência. É o contrário do que as pessoas pensam, mas é a minha convicção e é o que eu ensino aos meus filhos. Diante da inteligência artificial, não devemos ser especialistas, mas generalistas, porque a inteligência artificial não é generalista, ela é especialista, mas não é capaz de ver as coisas de maneira transversal.

RFI - Em termos internacionais, o senhor prevê uma concorrência acirrada entre a China e os Estados Unidos. Mas as bases de regulamentação dessa batalha ainda não estão totalmente estabelecidas. O que podemos esperar para o futuro?

Alexandre Laurent - A inteligência artificial se tornou um instrumento imperialista e há uma guerra tecnológica em curso entre os Estados Unidos e a China, em que o objetivo é se tornar o líder mundial. Nós estamos vivendo uma guerra tecnológica entre esses dois gigantes, enquanto a Europa está ausente dessa batalha porque não investiu suficientemente na inteligência artificial. Hoje os Estados Unidos ainda são os líderes mundiais em desenvolvimento tecnológico, mas a China progride a toda velocidade e, em dois anos, o orçamento total da China em pesquisa e desenvolvimento irá ultrapassar o orçamento americano. O presidente chinês anunciou claramente no ano passado que queria que a China se tornasse a primeira potência científica, tecnológica, financeira e militar até 2045 graças à inteligência artificial. Então haverá sim um embate altamente violento nessa corrida pela inovação tecnológica. Nos resta esperar que esse conflito não termine numa verdadeira guerra militar.

RFI – Como o senhor avalia a situação do Brasil nesse cenário dominado pela tecnologia avançada?

Alexandre Laurent - Eu gosto muito do Brasil, inclusive meus filhos falam português. Entretanto, o Brasil precisa acordar. O Brasil é um país formidável, que tem uma cultura fantástica, mas ele caiu no sono, quer dizer, não investe em pesquisa, não investe na indústria e em tecnologia. É preciso que as elites brasileiras passem a gostar da ciência. O Brasil tem tudo para ser uma grande potência tecnológica, mas infelizmente hoje o Brasil é um país subdesenvolvido, que não avança. As elites brasileiras precisam compreender o mundo que está por vir, de maneira que o país, no futuro, possa ocupar o lugar que ele merece, ou seja, a quarta ou quinta economia do mundo. O Brasil tem vocação para ser uma das cinco maiores potências mundiais em termos econômicos e tecnológicos, e isso seria possível se o país investisse em ciência e em tecnologia.