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"Bolsonaro não fará milagres, mas não estou votando em candidato a Deus", diz pastor evangélico

27/10/2018 22h02

O eleitorado evangélico esteve no centro dessa corrida presidencial no Brasil.

Enviado especial ao Rio de Janeiro

Como muitos pastores evangélicos, Marquinhos tem seu discurso rodado quando questionado sobre as declarações polêmicas do presidenciável do PSL. “Esse é o jeito dele falar. É a personalidade dele”, retruca. “Mas eu quero um presidente. Não estou votando para um candidato a Deus. Eu sei que ele não vai fazer milagre, mas acredito nas propostas dele. Enquanto candidato, ele tem meu crédito”, argumenta.

Pastor da Igreja Batista Central de São João de Meriti, na Baixada Fluminense, ele nega, no entanto, tentar induzir seus fiéis a segui-lo no caminho das urnas. “Alguns até pedem conselhos. Nós orientamos e tentamos mostrar todos os lados, mas procuramos não influenciar. Aqui tem pessoas que não vão votar para Bolsonaro”, afirma, mesmo se estima que pelo menos 85% dos membros de sua igreja vão digitar 17 neste domingo. Segundo ele, a principal razão do voto é a imagem íntegra do candidato, “um homem que tem o passado limpo e que é citado como alguém que nunca se envolveu em nenhum escândalo de corrupção”.

Aliás, basta questionar alguns dos fiéis dessa igreja, que chega a receber até 600 pessoas em seus cultos, para se dar conta da adesão a Jair Bolsonaro. Mesmo se nem todos têm a mesma motivação.

A professora Sara diz que vai votar em Bolsonaro pois se sente traída pelo PT. “Sofro ao ver tudo o que foi semeado durante esse governo e que deveria nos levar ao ápice. Mas no final, ainda tem crianças comendo lixo, passando fome, sem moradia”, enumera, emocionada. “Não venham me dizer que o PT acabou com a pobreza”.

Já para Ana, que trabalha junto aos jovens na igreja, o candidato do PSL a conquistou por seus princípios. “Ele preserva a família. Basta ver a maneira como criou os filhos. E mesmo se foi casado três vezes, quem sou eu para julgar?". Para ela, o mais importante é a personalidade do candidato. "Ele tempulso firme e muitas vezes é isso que a sociedade precisa”, defende.

Igrejas cumprem o papel do Estado

Todos reclamam da omissão dos governantes e afirmam que as instituições religiosas acabaram assumindo as funções do Estado. Na Igreja Batista de São João do Meriti, por exemplo, o calendário de atividades vai desde conferências contra o abuso de crianças até eventos de prevenção do câncer de mama, passando por programas preparativos pré-vestibular. As atividades de lazer também contribuem para afastar do crime os jovens em uma região conhecida por seus altos índices de violência.  

É verdade que as igrejas sempre tiveram esse papel. Mas agora, “os evangélicos cresceram e mudaram a correlação de forças com os católicos na esfera pública”, explica a socióloga Maria das Dores Campos Machado. E essa participação passa também pela política, com representantes da igreja em cargos eletivos ou simplesmente fazendo lobby para eleger aqueles que representam seus interesses.

Especialista em temas ligados à religião, a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro aponta, no entanto, que esse fenômeno não é algo tipicamente brasileiro. “A participação política dos evangélicos têm se tornado cada vez mais importante em países como Costa Rica, México ou Peru”, relata.

Governo do PT está pagando por sua ambivalência

Porém, comenta a socióloga, o contexto brasileiro tem suas particularidades, já que a hegemonia dentro das igrejas evangélicas no país é dos pentecostais. “Eles são conservadores em termos morais, no que diz respeito ao aborto ou à união entre pessoas do mesmo sexo. Mas não são apenas os evangélicos que estão definindo essa eleição", pondera. "Há também os católicos conservadores, que constituem uma direita cristã que está se expandindo na América Latina”, frisa.

Nesse contexto, o governo do PT estaria pagando por sua ambivalência. “Lula tentou atender os movimentos feministas e criou uma programa contra a homofobia. E, por outro lado, fez com que os evangélicos se fortalecessem politicamente, fazendo alianças com grupos representantes dessas igrejas”, finaliza a socióloga.