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Posse de Bolsonaro anuncia incertezas sobre relações entre Brasil e África

04/01/2019 14h45

O chanceler de Angola, Manoel Domingos Augusto, foi a primeira autoridade internacional a ser recebida pelo novo ministro brasileiro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Para alguns especialistas, isso mostra o interesse de Brasília em manter boas relações com o país, mesmo se o diplomata foi um dos poucos representantes africanos presentes na cerimônia de posse do presidente Jair Bolsonaro.

O chanceler de Angola, Manoel Domingos Augusto, foi a primeira autoridade internacional a ser recebida pelo novo ministro brasileiro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.

O ministro angolano foi recebido na manhã de quarta-feira (2), antes mesmo do secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, o que foi visto como um sinal de prestígio por Domingos Augusto, que falou de “relações excepcionais entre os dois países”. Ao deixar o encontro, o chanceler africano frisou, em entrevista à agência de notícias Lusa, que o grande potencial econômico dessa parceria pode ser ainda mais explorado entre os dois países.

Segundo Amaral Lala, diretor-geral do Instituto Superior de Ciências Sociais e Relações Internacionais de Luanda, esse encontro entre os chanceleres reflete o histórico de relações positivas entre os dos países lusófonos. “O Brasil foi o primeiro Estado a reconhecer o Estado angolano após a proclamação de sua independência no dia 11 de novembro de 1975”, lembra.

Além disso, os brasileiros estão entre os principais parceiros econômicos de Angola. As relações comerciais entre os dois países pesam mais de US$ 850 milhões, com um superávit de US$ 420 milhões para o Brasil.

Escândalo da Odebrecht pode pesar na relação?

Um dos principais atores dessa relação econômica é a construtora brasileira Odebrecht, presente em Angola há três décadas. A atividade da empresa conta muito, já que ela representa um dos primeiros empregadores privados do país africano.

Porém, a filial angolana – como a moçambicana – esteve envolvida no escândalo de corrupção que sacudiu a política brasileira. A Odebrecht teria pago US$ 50 milhões entre 2006 e 2016 a representantes do governo para obter contratos públicos e embolsar US$ 262 milhões de lucros. E diante de um governo Bolsonaro que defende a luta contra a corrupção como uma de suas metas, há quem se questione sobre o impacto do escândalo da Odebrecht nas relações entre Brasília e Luanda. “Mas duvido que isso seja um elemento de fricção, pois a luta contra a corrupção é uma agenda que também é prioritária para o chefe de Estado angolano”, estima Lala, apontando para uma possível sinergia entre os dois líderes nesse ponto.

Líderes africanos céticos

Durante sua passagem por Brasília, o chanceler angolano insistiu que o governo brasileiro pretende continuar negociando não apenas com Angola, mas também com todo o continente africano. A explicação do chefe da diplomacia angolana é uma resposta às dúvidas sobre o lugar da África nas relações internacionais do Brasil. Principalmente após o presidente Jair Bolsonaro ter se mostrado menos apegado à política Sul-Sul defendida pelos governos petistas, que tentavam valorizar as parcerias com países em desenvolvimento.

A presença pouco expressiva dos líderes africanos entre os representantes internacionais que compareceram à cerimônia de posse de Bolsonaro foi vista por muitos como uma resposta à essa eventual mudança de estratégia de Brasília. Entre os chefes de Estado e de governo vistos na capital federal na terça-feira (1°), apenas o cabo-verdiano Jorge Carlos Fonseca e o marroquino Saadeddine Othmani representavam o continente africano.

Mas para Amaral Lala, a ausência dos líderes do continente é mais complexa e se explica também por razões ligadas à imagem do novo presidente brasileiro. “Bolsonaro, durante a campanha, passou mensagens que deixou céticos um conjunto de países, sobretudo africanos”, comenta o especialista. Ele lembra que o então candidato fez declarações consideradas racistas, em um país com uma grande comunidade de origem africana, o que não soou bem na África. “Há ainda uma espécie de nuvem sobre o que será a presidência de Bolsonaro”, aponta Lala.