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Patriotismo em sala de aula: por que Brasil e França querem impor símbolos nacionais nas escolas?

27/02/2019 15h18

Bandeiras hasteadas em todas as salas de aula ou o hino nacional sendo entoado pelos alunos, França e Brasil parecem preocupados atualmente em incentivar o patriotismo entre seus estudantes. Coincidência ou não, em ambos os países, boa parte da opinião pública contesta essas iniciativas, consideradas ufanistas e exageradas. Afinal, o que há de controverso na intenção dos governos de incentivar o amor à pátria?

Bandeiras hasteadas em todas as salas de aula ou o hino nacional sendo entoado pelos alunos, França e Brasil parecem preocupados atualmente em incentivar o patriotismo entre seus estudantes.

No início desta semana, o Ministério da Educação do Brasil (MEC) enviou um e-mail para as escolas públicas e privadas do país pedindo que os alunos fossem filmados cantando o hino nacional - uma gravação que deveria ser posteriormente enviada ao governo. Além disso, uma carta do ministro brasileiro, Ricardo Vélez Rodríguez, com o slogan do governo Bolsonaro, “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”, também deveria ser lida nos estabelecimentos de ensino brasileiros.

Devido à imensa repercussão da medida, na terça-feira (26), o ministro voltou atrás na decisão. Segundo ele, antes de executar a ordem, as escolas devem obter a autorização dos pais e responsáveis para filmar os alunos. O MEC também afirmou que a gravação seria eventualmente utilizada em vídeos institucionais do governo. Além disso, o slogan de Bolsonaro foi retirado da mensagem de Vélez Rodríguez.

Opositores denunciam ilegalidade da iniciativa

A medida, apesar de retificada, continua causando polêmica no Brasil. Nas redes sociais, professores se manifestam contra a iniciativa, alegando que o ensino no país tem outras prioridades. Já sindicatos e o movimento estudantil ressaltam a ilegalidade do projeto do ministro da Educação.

“A carta é completamente absurda porque fere o ECA, o Estatuto da Criança do Adolescente, quando ordena que gravem os estudantes. Além disso, fere a própria laicidade do Estado e o funcionamento da rede de educação. Porque quem tem jurisdição e comanda as escolas estaduais e municipais não é o Ministério da Educação, mas o Consed, o Conselho Nacional de Secretários de Educação, que tem a tarefa de coordenar o trabalho nas escolas”, diz Pedro Gorki, presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes).

Para Celso Napolitano, presidente da Federação dos Professores do Estado de São Paulo (Fepesp), a medida de Ricardo Vélez Rodríguez é “uma idiotice”. “Esse grupo que foi eleito para governar o país está confundindo o partido e suas ideologias com o Estado. Eles estão contrapondo as posições de apoio ao governo com a concepção de pátria”, avalia.

Napolitano acredita que a medida tem o objetivo de agradar o eleitorado do presidente Jair Bolsonaro, “que está se comportando como se estivesse no palanque, ao invés de governar para a nação inteira e promover o espírito pacifista”. Segundo ele, a ordem do MEC teve uma conotação autoritária e que remete ao período ditatorial no Brasil, desagradando parte da opinião pública. “Ao que me parece, este governo não está deixando morrer esse caráter beligerante que houve durante a campanha eleitoral do ano passado entre grupos mais à esquerda e mais à direita. Então, toma atitudes frequentes para que esse espírito revanchista não esmoreça”, diz.

Bandeiras em todas as salas de aula

A França é palco de uma polêmica similar, igualmente classificada de ultranacionalista. Na semana passada, a Assembleia do país aprovou em primeira leitura uma emenda, proposta pelo deputado de direita Eric Ciotti, ao projeto de lei “escola da confiança”. O texto determina que a bandeira francesa deve estar exposta em todas as classes do país, bem como as letras da “Marselhesa”, como é chamado o hino nacional.

Frédérique Rolet, secretária-geral do Sindicato Nacional das Escolas de Segundo Grau (SNES-FSU) lembra que todas as escolas francesas já exibem as bandeiras da França e da União Europeia hasteadas em suas entradas e que o estudo do hino nacional também é feito em sala de aula. “De toda a forma, não é exibindo símbolos da pátria que vamos ensinar os alunos a adotar valores republicanos. É mostrando para eles que trabalhamos dentro da igualdade, da liberdade e da fraternidade”, afirma.

Segundo Rolet, por trás da emenda aprovada, as autoridades têm a intenção de reforçar o nacionalismo, no momento em que se multiplicam as críticas ao governo francês. “É uma forma um tanto artificial para tentar passar a ideia de que a França ainda é uma grande potência e deve exaltar seus valores”, avalia.

“Formar republicanos não se resume em mostrar símbolos”

A medida também não agradou as mães e pais franceses. A presidente da Associação de Pais de Alunos (FCPE), Carla Dugault, classifica a emenda de ineficaz. “O que a escola republicana deve às crianças e às famílias são professores presentes a cada dia em cada sala de aula, de forma que os programas pedagógicos possam ser seguidos, principalmente durante o ensino da educação moral e cívica. Formar republicanos não se resume a mostrar símbolos. Formar republicanos é debater, compreender e transformar jovens em cidadãos”, diz.

De acordo com Dugault, mais do que o patriotismo, “reforçar o ensino da cidadania no sistema escolar seria mais útil”. A ideia é compartilhada pelo presidente da Fepesp, para quem o amor à pátria deve ser tão prioritário quanto outros valores a serem transmitidos dentro do sistema educacional.

“Os professores e os projetos pedagógicos situam, tentam incutir e discutir com os jovens brasileiros os valores de cidadania e civilidade para que eles sejam cidadãos do mundo. É óbvio que eles têm que ter respeito e o devido amor a seu país. Mas quando você fala em termos de patriotismo e de um amor exacerbado à nação, como quer esse governo, vemos muito mais a valorização exagerada de uma ideologia do que a do próprio Brasil.”