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Em Toulouse, curta "Liberdade" resgata passado e presente negro de bairro paulistano

29/03/2019 02h03

Quando se fala no bairro da Liberdade, na região central da cidade de São Paulo, o elo com a imigração japonesa é inevitável. Mas a história da região tem um passado histórico muito mais antigo e é também palco atual de novos imigrantes, principalmente africanos e sul-americanos. Esses temas são abordados pelo curta "Liberdade", de Vinícius Silva e Pedro Nishi, em competição no festival Cinélatino, em Toulouse, sudoeste da França.

Quando se fala no bairro da Liberdade, na região central da cidade de São Paulo, o elo com a imigração japonesa é inevitável. Mas a história da região tem um passado histórico muito mais antigo e é também palco atual de novos imigrantes, principalmente africanos e sul-americanos.

Enviada especial a Toulouse, sudoeste da França

“A gente queria descontruir a ideia de que a Liberdade é um bairro só da imigração japonesa. Quem mora em São Paulo sabe que os japoneses não moram mais lá e que depois vieram outras imigrações asiáticas, como chineses e coreanos. Mas a história do bairro é mais ampla e com outras camadas, tanto do passado quanto do presente. Outros imigrantes moram lá hoje, principalmente de países africanos e do Haiti”, explica Pedro Nishi.

“Antes de ser um bairro japonês, a Liberdade era um bairro negro”, diz Vinícius Silva. “Era onde escravos fugidos vinham se abrigar, havia vários quilombos na área. Os colonizadores finalmente ergueram uma forca para execuções e o local virou o Largo da Forca, antes de se chamar Liberdade”, relata.

Além da forca, havia também um pelourinho nas proximidades. Os condenados esperavam a execução na igreja dos Aflitos e os corpos eram velados na igreja Santa Cruz das Almas dos Enforcados.

O curta, que recebeu prêmio especial do júri no Festival de Brasília, começou a ser exibido na mesma época da mudança de nome da estação de metrô, que passou a se chamar Japão-Liberdade. A homenagem, que causou polêmica na cidade, não foi bem aceita pelos cineastas.

Vozes apagadas

“É sobre isso que falamos no filme, ou seja, do apagamento de vozes, de narrativas, de pessoas. Não é algo especifico da Liberdade, mas do Brasil mesmo, de como o Estado ou o poder econômico conseguem apagar o que não convém. É um crime contra a história do bairro e do Brasil”, ressalta Nishi, que é descendente de japoneses.

O curta traz no papel principal o guineense Abou, que vive sua própria história, a de musico e responsável por uma pensão para imigrantes – principalmente de países africanos - no bairro, na mesma rua em que a bisavó de Nishi tinha uma pensão para imigrantes japoneses. E ela volta na narrativa como uma espécie de fantasma, circulando pelo bairro, pela pensão, ajudando Abou. Outro personagem real é Sow, também guineense, que chega ao Brasil em busca de uma vida melhor, mas se vê às voltas com os entraves burocráticos e a discriminação.

Resistência brasileira no Cinelatino

Entre outros filmes em exibição no evento estão “Querência”, de Helvécio Marins, na competição de longas, e “Desmonte do Monte”, documentário assinado por Sinai Sganzerla, também em competição.

O Brasil também é tema de um programa especial de curtas, batizado de “Resistances”, em referência às ameaças que trazem o novo governo de Jair Bolsonaro. A seleção traz “Mais Triste que Chuva num Recreio de Colégio”, de Lobo Mauro, “Secundas”, de Cacá Nazário, “De Longe, Ninguém Vê o Presidente”, de Rená Tardin, e “Dia de Eleição”, de Nereu Afonso da Silva.

A 31ª edição do Cinélatino acontece até 31 de março.