Topo

França: estilistas se rebelam contra "politicamente correto" na moda

29/09/2019 10h38

"Puritanismo", "estraga-prazeres", "politicamente correto": estrelas da moda como Hedi Slimane e Anthony Vaccarello não economizam nas palavras para denunciar um contexto sufocante para as criações, em contraponto a outros estilistas que utilizam a passarela para promover a diversidade e os direitos das mulheres.

O debate, que se espalhou para as mais diversas áreas de atuação depois do movimento "MeToo", voltou a ecoar na Semana de Moda de Paris, que acaba de encerrar. "Há essa postura tragicamente demagógica e politicamente correta. Não vivemos mais uma leveza", declarou Hedi Slimane, uma rara entrevista à revista Vogue, em agosto. O nome por trás da grife francesa Céline convidava os apaixonados pelas passarelas a "resistir" ao que considera uma "forma disfarçada de neoconservadorismo".

Slimane, um dos estilistas mais influentes da atualidade, foi alvo de críticas ferozes no ano passado, por celebrar, em seu desfile, as mulheres que adoram fazer festa em boates, de vestidos curtos. O casting de modelos também foi acusado de ser "branco demais".

Neste ano, aquele que ganhou o apelido pejorativo de "Trump da moda" trouxe peças bem mais comportadas e burguesas. A estrela Catherine Deneuve, que no auge do movimento de denúncia a assédios publicou um artigo para defender "a liberdade dos homens de importunar" as mulheres, estava na primeira fila do desfile.

"Curto e transparente demais"

O belga Anthony Vaccarello, diretor artístico da Saint Laurent, também denunciou o "puritanismo" em voga e reivindicou o direito a uma estética sexy, com micro-shorts, saltos altíssimos e decotes generosos. "Ficou impossível ter uma opinião contrária à opinião geral. Me falam o tempo todo: 'é curto demais! É transparente demais'", desabafou, ao Journal du Dimanche. "Eu detesto esse novo puritanismo que julga tudo."

Vaccarello também criticou o que chamou de "cota de marketing", a contagem de quantos modelos negros ou não-brancos estarão na passarela.

A diva Naomi Campbell encerrou o desfile dele, na quarta-feira (25). "O problema do racismo e da misoginia está nos olhos de quem vê, e não nos meus", argumentou. A maison já foi várias criticada por campanhas publicitárias consideradas sexistas. Em 2017, a Autoridade de Regulação Profissional da Publicidade chegou a pedir a modificação de alguns cartazes, considerados degradantes para as mulheres.

Homenagem às prostitutas

Já a maison Guy Laroche decidiu homenagear a prostituição de luxo, que "contribuiu ao brilho da França", em um contexto no qual "não se pode falar nem fazer nada". A coleção lembrava a famosa prostituta francesa Madame Claude, cafetina que se encarregava de viabilizar moças lindíssimas para seduzir personalidades e chefes de Estado de passagem por Paris.

"Não se pode misturar as coisas: MeToo é sobre pessoas que são assediadas, são agressões sexuais. Aqui, são as pessoas que decidem vender o próprio corpo, numa livre escolha", disse o créateur Richard René.

No lado oposto, a italiana Maria Grazia Chiuri, feminista assumida e diretora artística da Dior, homenageou Catherine Dior, irmã e musa do estilista. Catherine integrou a resistência aos nazistas, na Segunda Guerra Mundial, foi torturada e deportada para um campo de concentração.

"Nós devemos lutar pelos direitos das mulheres e por que a diversidade e a homossexualidade sejam aceitas na moda", afirma o estilista Olivier Rousteing, da Balmain. "As pessoas que pensam que esse combate acabou é que estão demodês."

Informações da AFP