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Macri aposta tudo na "marcha de um milhão" para chegar ao segundo turno

19/10/2019 17h59

O presidente argentino, Mauricio Macri, aposta tudo num fenômeno social nunca antes visto no país: a presença maciça da classe média nas ruas de todo o país e de várias cidades do mundo para apoiar um candidato a reverter o cenário de derrota eleitoral, a oito dias das eleições.

Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

Na reta final de uma campanha que tenta o milagre de conseguir levar a disputa eleitoral ao segundo turno, o epicentro das manifestações acontece no Centro de Buenos Aires, de onde também se poderão acompanhar, através de telas gigantes, cerca de 100 concentrações simultâneas pelo interior do país e em cerca de 20 cidades do mundo.

O objetivo de Macri, na sua tentativa de reeleição, é contagiar de entusiasmo um milhão de eleitores capazes de convencerem amigos e parentes numa onda expansiva de otimismo. Para isso, ele também aposta num bom desempenho durante o debate eleitoral televisivo de amanhã.

Há 22 dias, Mauricio Macri começou uma maratona de marchas que percorrerá 30 cidades até a próxima quinta-feira, quando se encerrará a campanha na cidade de Córdoba. As caravanas intituladas "Sim, é possível" ("Sí, se puede") apontam à classe média, setor onde se concentram os chamados "desencantados": aqueles que elegeram Macri, mas que se decepcionaram a ponto de castigá-lo, votando na oposição, mesmo sendo contra o "kirchnerismo", representado pelo candidato da ex-presidente Cristina Kirchner, o peronista Alberto Fernández.
 
Por dentro das marchas


Como exemplo da classe média, Andrea De Bardeci (40) esteve na primeira caravana no dia 28 de setembro e, neste sábado (19), voltará a participar na maior de todas.

"Eu participo não só por mim, mas pelo futuro da minha filha. Eu fiquei muito triste durante os 12 anos do governo anterior. Só atrasaram o país. Sinto que voltar a esse passado seria o pior. Quero ver progresso", explica Andrea, destacando como melhoras durante o governo Macri a segurança pública e as obras de infra-estrutura.

"Sei que a situação económica não é a ideal, mas também sei que Macri herdou uma situação difícil de ser revertida em apenas em três anos e meio", considera Andrea, oriunda do Chaco, província 800 Km ao Norte de Buenos Aires. "A esperança é a última que morre", confia.

A aposentada María Cristina Fernández (67) é de Moreno, na periferia empobrecida de Buenos Aires.

"Sei que, com Macri, teremos um futuro melhor. Sei que custa, mas vamos conseguir superar. Tenho essa fé. Tenho essa certeza", acredita María Cristina, explicando as razões para estar na marcha de hoje.

"O outro candidato faz parte do governo anterior que só gerou corrupção, aumento da violência e do tráfico de drogas. Eles já nos deixaram o país em ruínas e querem voltar agora para roubar o pouco que sobrou", denuncia. "O lugar de Cristina Kirchner é na prisão e não como candidata a vice-presidente", desabafa.

"Sabe o que as pessoas alegam? Que a Cristina roubava, mas também dava. Todos sabem que roubava. Eu sou muito humilde, mas prefiro estar com os bolsos vazios a ver esses ladrões de volta", afirma, destacando a curiosidade de o seu nome ser quase igual ao da ex-presidente Cristina Fernández de Kirchner. "Mas sou anti-Cristina", avisa.

Andrea Flores (52) resgata a liberdade que se viveu durante o governo Macri em oposição ao autoritarismo, uma marca do período de Cristina Kirchner (2007-2015).

"Macri permitiu a liberdade e fortaleceu as instituições. Não perseguiu jornalistas nem juízes. Sempre se guiou pela verdade. Então, eu escolho a moral e a decência", explica Andrea, de Pilar, a 60 Km de Buenos Aires. "Eu ainda acredito neste governo", afirma.

Fenômeno social

As caravanas de Macri tornaram-se um surpreendente sucesso de público. Nunca antes na história argentina a classe média saiu às ruas a apoiar um candidato, espontaneamente. Só foi às ruas para repudiar alguma medida ou para protestar contra alguém.

"É um fenômeno social", define à RFI o político Luis Juez, um referente na coligação de governo e candidato a deputado nacional pela Frente Cívica, a que lidera. "A classe média, que detesta ir a um comício popular, agora se vê nesta situação porque o espanto de que Cristina volte levou uma multidão a reagir", observa.

Juez esteve nas duas caravanas que levaram Macri, nesta semana, à província de Córdoba e estará que encerrará a campanha na próxima quinta-feira.

"Essas marchas tem sido o nosso combustível para continuar vivos depois da surra eleitoral que levamos. O objetivo é contagiar e sermos contagiados. Nesse sentido, estão a dar resultado por mais que ainda não apareça refletido nas sondagens. Vamos ver se conseguimos até o dia 27", indica Luis Juez, famoso no país pela sinceridade.
 
Inversão de papeis


O prazo para divulgação de sondagens terminou neste sábado sem que nenhuma apontasse a uma reversão de tendência. O peronismo de Alberto Fernández continua a liderar as intenções de voto com uma vantagem entre 16 e 22 pontos sobre Mauricio Macri. Fernández rondaria os 50% dos votos válidos, quando, para ganhar no primeiro turno, bastam apenas 45%.

Essa ampla vantagem inverteu os papeis. Antes blindado do contato direto com as multidões, Macri adotou um estilo popular de ir aonde o povo está. Durante os comícios, surpreende com um desempenho de animador de auditórios, embora o carisma não seja seu forte.

Por outro lado, esse estilo popular, comum ao peronismo, está ausente de Alberto Fernández, de quem se esperaria essa postura. Fernández se comporta como um presidente eleito, a mesma atitude de Macri há tão somente algumas semanas.

Fernández faz viagens internacionais nas que se reúne com chefes de Estado da esquerda da região (Uruguai, Bolívia e Peru) e da Europa (Portugal e Espanha). Também visitou o ex-presidente Lula na prisão.

O presidente Macri propõe uma nova medida a cada dia, mas quase não surtem efeito. O candidato Fernández já não propõe nada, mas todos querem saber de alguma medida sua.

"Estamos agora mais nesse modelo popular peronista do que o próprio peronismo. Macri adotou esse modelo territorial de construção política enquanto os peronistas estão fugindo dos comícios. Como estão ganhando, não querem arriscar um erro. Como nós não estamos ganhando, arriscamos tudo", compara Luis Juez.