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Mudanças climáticas: Macron anuncia medidas de proteção dos Alpes franceses

12/02/2020 15h22

Com uma altura de 4.809 metros, o pico do Mont-Blanc, o mais alto dos Alpes, está no radar do presidente francês, Emmanuel Macron. Nesta quarta-feira (12), o chefe de Estado reuniu o Conselho de Defesa Ecológica, antes de viajar para Chamonix, na manhã desta quinta-feira (13), onde poderá ver de perto os danos causados pelas mudanças climáticas.

Na cidade turística localizada perto das fronteiras entre a França, a Suíça e a Itália - famosa por acolher a base do Mont-Blanc - o presidente visitará o Mer de Glace (Mar de gelo, em português). A geleira tem diminuído de espessura a cada ano, inquietando esportistas e ecologistas.

"Se o Mont-Blanc deixar de ser o Mont-Blanc, ninguém virá mais aqui. Devemos, portanto, regular, proibir e usar os nossos poderes policiais ambientais para treinar equipes e controlar, se necessário, a frequentação", disse Macron.

A RFI conversou com profissionais que atuam nos ramos de escalada e alpinismo para entender o que se passa na região conhecida como o "telhado" da Europa. Com uma população entre 8 e 9 mil moradores, o vilarejo de Chamonix chega a receber 100 mil pessoas nos meses de verão, quando acontecem as expedições ao topo do Mont-Blanc, e 70 mil visitantes, na estação de inverno.

O declínio significativo do Mer de Glace, a segunda maior geleira da Europa, (a primeira é a geleira Aletsch, na Suíça), oferece uma imagem impressionante do impacto do aquecimento global na França. Em plena temporada de esportes de neve, o chamado esqui (fora da pista) sobre a geleira é o carro-chefe das atividades das agências de turismo de Chamonix.

O Mer de Glace se estende de uma altura de mais de 4000 metros a até 1700 metros e o acesso dos esquiadores se dá por um teleférico, que a cada dia fica mais distante da geleira.

"A geleira perde entre 10 e 30 metros de espessura por ano e cada vez enfrentamos mais dificuldades para acessar a área esquiável", explica Daniel Rodriguez, diretor da Companhia de Guide de Chamonix. "Nesse momento, há mais de 400 degraus para chegarmos à geleira, sendo que, nos anos 1980, ela era acessível diretamente com o teleférico", acrescenta. "Isso é extremamente inquietante, quer dizer que a geleira derrete rapidamente e há o risco de não podermos mais acessá-la", conclui.

Derretimento das geleiras

A transformação observada no Mer de Glace ilustra o desafio climático enfrentado nos Alpes, um ecossistema ameaçado não só pelo aquecimento global, mas também "pela superlotação e incivilidade dos visitantes", conforme declarou o presidente francês à imprensa.

O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) confirma os temores: em seu último relatório, de setembro de 2019, os especialistas destacam que as geleiras de baixa altitude nos Alpes, no Cáucaso ou na Escandinávia poderiam perder 80% de seu volume, até o ano 2100, e muitas podem desaparecer, mesmo limitando-se o aquecimento global.

Segundo a Escola Politécnica de Zurique, na ausência de uma redução nas emissões de gases de efeito estufa, as 4000 geleiras alpinas correm o risco de derreter em mais de 90%, até o fim do século.

Várias geleiras, incluisve, já derreteram, como na Islândia e na Suíca.

Com menos gelo, a travessia é mais difícil

"Nós somos os primeiros afetados pelas mudanças climáticas e geográficas no massivo do Mont-Blanc. E o que vemos é que as mudanças estão sendo mais rápidas do que em outras épocas, o que nos preocupa", disse à RFI Olivier Grebert, presidente da Companhia de Guide de Chamonix.

"Antes, os frequentadores se dividiam por dois caminhos. Numa das travessias, é possível dormir no refúgio Cosmique, a 3.613 metros. Porém, devido ao derretimento do gelo, essa travessia se tornou cada vez mais técnica e apenas 20% dos esportistas continuam a subir por essa via. A maioria (80%) passa pela via normal, pelo refúgio do Goûter, o que faz com que a frequentação tenha aumentado nessa área", explica Grebert.  

A RFI também conversou com Stéphane Prévost, professor de matemática da região de Grenoble e um apaixonado pela montanha. Em suas aventuras, ele já subiu quatro vezes ao pico do Mont-Blanc, utilizando as duas vias possíveis. O esquiador confirma que, "no ano passado, ficou quase impossível fazer a travessia pelo refúgio Cosmique pois, com o derretimento da neve, havia grandes rochedos descobertos, dificultando a passagem".

Superlotação no topo da Europa

Mas o pior problema, segundo Prévost, é a superlotação no alto da montanha, já que muitos alpinistas se dirigem ao refúgio sem uma reserva para dormir no local. "Já presenciei pessoas dormindo no chão, dividindo camas no refúgio ou mesmo colocando barracas do lado de fora", lembra.

Para o presidente do comitê departamental do Clube Alpino (FFCAM) da região Haute-Savoie (da Alta Saboia), nos Alpes franceses, que administra esses abrigos, o termo "superlotação" não é apropriado. Michel Minier estima que cerca de 20.000 pessoas escalem o Mont-Blanc, a cada ano. "É a capacidade máxima. Podemos receber esse número, mas não devemos aumentar, pela preservação do lugar", afirma. No verão de 2019, os refúgios do Mont-Blanc tiveram uma taxa de ocupação de 70%", destaca Minier.

Uma das formas de evitar o acesso de pessoas não registradas foi a implantação de uma "brigada branca", composta por três civis, que fazem verificações ao longo do caminho, a cerca de três horas de caminhada do refúgio. Quem não tem reserva é convidado a descer, mas as equipes de brigada não têm poder policial.

"O que atrai tanta gente ao Mont-Blanc são duas coisas", acredita Stéphane Prévost: "a beleza de poder enxergar os Alpes do alto, mas também o ego, já que muitos sobem apenas pelo desafio de vencer uma das montanhas mais altas do mundo", diz, acrescentando que o desafio exige técnica e esforço.

Não adianta olhar só para a Amazônia

Em setembro do ano passado, o Palácio do Eliseu foi surpreendido com uma carta aberta publicada pelo prefeito de Saint-Gervais-les-Bains, na Alta Saboia, Jean-Marc Peillex. "Sr. Presidente, cuidar das florestas da Amazônia é muito bom. Ignorar o que está acontecendo no Mont-Blanc e deixar o desrespeito continuar não é tolerável", escreveu ele.

Macron também foi questionado sobre problemas de qualidade do ar no vale de Arve, o local de passagem de muitos veículos pesados.

"Não consigo impedir que os caminhões passem", respondeu o presidente, dizendo ser necessária uma política europeia de renovação da frota e tributação de caminhões poluentes antigos. "Se eu impuser essa renovação apenas aos caminhões da região, eu os prejudico, porque os caminhões virão da Espanha ou da Romênia. A questão é como forçamos todas as empresas de veículos pesados da Europa a renovarem sua frota", observou Macron.

Medidas anunciadas

Emmanuel Macron escolheu uma das regiões mais frequentadas por esquiadores e alpinistas do mundo inteiro para anunciar medidas em favor da ecologia e da biodiversidade, suas apostas para atrair votos para o seu partido, (La République en Marche - LREM) nas próximas eleições municipais. Sobretudo, as medidas anunciadas lançam um alerta sobre a necessidade de preservação desse ecossistema.

"Essa proteção é compatível com a frequência e com a atividade turística, mas deve ser fundamentada", explicou o presidente.

O Mont-Blanc será ainda mais protegido pela entrada em vigor de uma legislação local, endurecendo as regras para a frequentação da montanha, especialmente no verão. Um discurso do presidente da República é esperado nesta quinta-feira (13) em Chamonix, em que Macron irá detalhar as ações para preservar a biodiversidade.

"Precisamos de medidas muito fortes sobre construção, energia, transporte e turismo. Mas também medidas de resiliência e adaptação", espera Eric Fournier, prefeito de Chamonix (UDI, apoiado pelo LREM no nível municipal).

O presidente francês já confirmou, no entanto, o objetivo de aumentar as áreas protegidas do país, que passarão de cerca de 22%, atualmente, para 30% do território francês.

"O conselho de defesa ecológica aumentará as áreas protegidas para cobrir 30% do nosso território, classificando como reservas naturais, parques nacionais ou parques naturais regionais", especificou o Chefe de Estado.

Também serão criados quatro novos parques em Mont Ventoux, Baie de Somme, Corbières e parte dos Doubs.

Futuro incerto

Enquanto isso, as agências de turismo dos Alpes já pensam em modificações em suas atividades futuras, especialmente aquelas localizadas em altitudes mais baixas, onde a neve poderá se transformar em artigo de luxo.  

"Nós não pensamos em mudar de atividade, mas nos adaptaremos à evolução da montanha. Quer dizer que, amanhã, o trabalho de guia continuará existindo, mas o pensaremos de forma diferente", afirma Daniel Rodriguez.

"Temos uma modificação das estações. Para algumas atividades, será necessário vir mais cedo, em junho, pois temos visto que os meses de julho e agosto são muito quentes", explica Olivier Grebert, presidente da Companhia de Guide de Chamonix. "Por outro lado, vamos fazer mais escaladas em rochedos e não só alpinismo na neve, em alta altitude, mas vamos prever atividades nos pré-Alpes, que não são sensíveis às mudanças do clima. É uma forma de garantir a atividade, mesmo se não houver neve", completa.

"Além disso, temos que refletir sobre um turismo de qualidade em vez de turismo de massa, pois se há muita gente, chegará um momento em que as pessoas ficarão decepcionadas pela qualidade do seu passeio", teme o empresário. "Igualmente, devemos refletir sobre a forma como recebemos as pessoas. As temporadas devem ser mais longas para evitar tantos deslocamentos no vale, com menos circulação de veículos", propõe.

Já para franceses como Stéphane Prévost, pai de duas crianças pequenas, o cenário atual já é bastante ameaçador. "Me preocupo pela geração dos meus filhos. Agora estamos em fevereiro e eu estou no jardim de camiseta de mangas curtas. Olho para o horizonte e vejo as montanhas com pouca neve. Isso tudo é muito estranho", finaliza.