Casamento sempre esteve no centro do debate entre Brasil e Vaticano, diz especialista
A relação da Igreja Católica com o Brasil através do casamento é destaque no jornal Libération dessa segunda-feira (17), que traz uma entrevista com a historiadora da Universidade Paris 8, Charlotte de Castelnau-L'Estoile. Segundo ela, o casamento sempre esteve no centro dos debates entre o Vaticano e o Brasil, há mais de quatro séculos.
A relação da Igreja Católica com o Brasil através do casamento é destaque no jornal Libération dessa segunda-feira (17), que traz uma entrevista com a historiadora da Universidade Paris 8, Charlotte de Castelnau-L'Estoile. Segundo ela, o casamento sempre esteve no centro dos debates entre o Vaticano e o Brasil, há mais de quatro séculos.
Castelnau-L'Estoile analisa o que considera como uma evolução da Igreja Católica no Brasil, desde o casamento cristão de escravos e de indígenas na América do Sul, a partir do século XVI, até o Sínodo da Amazônia em 2019, que teve como um dos temas a ordenação de homens casados na Amazônia. No documento oficial do Sínodo, publicado na semana passada pelo Vaticano, o Papa Francisco finalmente não aceitou a ideia, apesar da falta de religiosos na região e da concorrência das igrejas evangélicas.
O casamento é o tema de dois livros da historiadora, que realizou pesquisas em Roma, no Brasil e em Portugal. O primeiro, "Páscoa et ses deux maris", (Páscoa e seus dois maridos), é a biografia de uma escrava bígama que viveu no século 17 entre Angola, Brasil e Portugal. O segundo, um ensaio chamado "Un catholicisme colonial. Le mariage des Indiens et des esclaves au Brésil"(Um catolicismo colonial), fala sobre casamento de indígenas e de escravos no Brasil.
Para a historiadora, o casamento foi uma maneira de incorporação de escravos e indígenas à sociedade colonial. Para ela, apesar da violência da dominação, a igreja via o casamento como uma maneira de construir uma sociedade estável, estruturada e cristã.
Catolicismo colonial
O Vaticano sempre se interessou pelas colônias da América, e aceitou a existência de sociedades escravagistas. O papa Gregório XIII, por exemplo, decretou em 1585 que os "escravos da Etiópia, Angola e Brasil" podiam se casar com um cônjuge de sua escolha. A pesquisadora fala de "catolicismo colonial". Segundo ela, paralelamente à conquista colonial civil, os religiosos escreviam a gramática jurídica, o direito do novo mundo em matéria de casamento. Dessa maneira o Papa impôs a tradição jurídica da igreja do outro lado do oceano Atlântico.
Para a historiadora, o casamento era usado como ferramenta de controle dos escravos, mas também pode ser visto como uma forma de reconhecimento da liberdade de escolha dos escravos, o que poderia iniciar um processo de emancipação. Mas a Igreja não era anti-escravagista, lembra a autora na entrevista, e tinha uma posição ambígua. Protegia ao mesmo tempo a liberdade do sacramento e a continuação da ordem escravocrata.
O casamento também provavelmente contribuiu para o desaparecimento de muitas culturas indígenas, segundo ela. Porque a poligamia era parte importante, tanto econômica como politicamente da sociedade tupi. Para a historiadora, o casamento e a Igreja Católica ajudaram a que o sistema escravagista no Brasil durasse tanto tempo e muitas das formas atuais de dominação e violência são heranças dessa época.
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