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'Lobos solitários' da extrema direita escapam do radar na Alemanha, diz pesquisador francês

Policiais isolam área próxima à praça onde ocorreu um tiroteio em Hanau, na Alemanha - Reuters/Kai Pfaffenbach
Policiais isolam área próxima à praça onde ocorreu um tiroteio em Hanau, na Alemanha Imagem: Reuters/Kai Pfaffenbach

Da RFI

20/02/2020 12h34

Para Jean-Yves Camus, especialista em extrema-direita e diretor do Observatório de Radicalismos Políticos da Fundação Jean Jaurès, em Paris, o fenômeno de pessoas que se radicalizam na internet e cometem atentados não se limita apenas a terroristas ligados ao Islã, mas a militantes solitários que professam ideologias ligadas a extremismos de direita. A Alemanha contabiliza hoje cerca de 12 mil indivíduos ligados à extrema-direita sob vigilância do Estado, um movimento "massivo" e "o maior da Europa", como relata o pesquisador.

Em entrevista à RFI hoje, o pesquisador Jean-Yves Camus analisa os recentes ataques xenófobos na Alemanha que deixaram pelo menos nove mortos em Hanau, cidade perto de Frankfurt.

RFI: O que se pode concluir sobre esses dois ataques? Trata-se de um militante da extrema-direita, como indicam todos os indícios, ou não devemos descartar ainda a possibilidade de um desequilibrado?

Jean-Yves Camus: Os indícios de motivação racista se multiplicam, isso é evidente, mas é preciso ficar atento. Mesmo que isso não queira dizer que o autor pertença a um grupo de extrema-direita constituído, ele pode ter agido a partir de uma iniciativa própria. Há uma mistura em suas motivações racistas e xenófobas e, também, e há também uma ligação com o movimento "InCebs", ou seja, os "Solteiros Involuntários" [Célibataires, solteiros em francês]. Eles se manifestam especialmente nos Estados Unidos através de uma espécie de ódio da sociedade. Eles se focalizam com frequência sobre os estrangeiros e já provocaram uma série de matanças em solo norte-americano, reivindicadas por pessoas que afirmam "não possuir ideologia".

RFI: A Alemanha não estava preparada para este tipo de ataque, mesmo após as recentes violências perpetradas por movimentos de extrema-direita no país?

JYC: A situação é muito mais complicada do que parece e diz respeito a grupos de extrema-direita que se espalham pela Alemanha e são extremamente bem vigiados. Há pessoas que se radicalizam em pequenos grupos de dois ou três, a partir de um ponto de vista completamente local, e há também pessoas que tentam fazer um atentado no seu canto, que se radicalizam na internet, frequentemente, e que, por não fazerem parte de um grupo constituído, escapam do monitoramento das autoridades. Eles não são visíveis nas manifestações de extrema-direita, não se associam a um partido político. Este é um fenômeno cada vez mais preocupante para a Inteligência dos países ocidentais. São pessoas que escapam do 'radar'. Numa sociedade baseada em liberdades individuais, se não há signo de radicalização visível ou de pertencimento a um movimento, não se é obrigado a passar por revistas policiais que podem ajudar a desmantelar um atentado.

RFI: Uma prova de que os alemães temiam este tipo de ataque é a lei aprovada ontem que reforça a luta contra o ódio na internet. Este tipo de medida pode ser eficaz?

JYC: A luta contra o ódio na internet é indispensável. Nós sabemos muito bem que, em todos os radicalismos políticos, as redes sociais e os sites desempenham um papel extremamente importante, prioritário. Não se deve esquecer, no entanto, que existem reuniões presenciais e movimentos. Vimos na semana passada uma reunião internacional em Budapeste, com 2.000 pessoas de diversos movimentos neonazistas de toda a Europa. Não se pode negligenciar este aspecto presencial. Nem todo mundo se radicaliza pela internet.

RFI: Os ataques da extrema direita são uma especialidade alemã? Não falamos mais disso aqui na França, por exemplo...

JYC: A grande diferença é o número de pessoas implicadas, que são de ultra direita e com propensão à violência. Há cerca de 12.000 indivíduos identificados deste tipo pelos serviços de Inteligência na Alemanha. É um número significativo. Com uma população numericamente comparável à alemã, a França contabiliza algumas centenas de pessoas desse tipo. Enfrentamos [na Alemanha] um efeito massivo. Será que isso encontra mais ressonância lá por causa do passado nazista? Sim, é claro, o nível da vigilância e da resposta política são em função deste passado. Mas existem serviços de Inteligência em outros países que, nestes últimos anos, ficaram em estado de alerta com grupos de extrema-direita, como na Grã-Bretanha. Não que este perigo seja tão massivo quanto os atentados islamitas, que continuam a figurar como a principal ameaça sobre a Europa, mas, claramente, pela primeira vez desde 1945, o governo britânico resolveu dissolver um movimento, o que é muito raro no Reino Unido. Isso desmantelou algumas tentativas de atentado, que já estavam em um nível avançado. Mas tivemos outros episódios, como no fim dos anos 1990. Mas há países, como a Itália, onde o que chamamos de "terrorismo negro" foi extremamente vigoroso entre 1970 e 1980, e foi corretamente extinto. Mesmo que, nas urnas, um partido extremamente populista, xenófobo de direita, tenha conseguido uma vitória recorde recentemente.