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Confrontos entre migrantes e polícia grega são mais um capítulo das tensões na Síria

29/02/2020 07h55

A situação ficou tensa neste sábado (29) na fronteira da Grécia, onde a polícia usou gás lacrimogêneo para reprimir milhares de migrantes que tentavam entrar no país vindos da Turquia. Ao mesmo tempo em que Ancara voltou a atacar as forças do regime de Damasco na Síria, a Rússia anunciou um acordo com a Turquia para reduzir as tensões em Idlib.

Milhares de migrantes passaram a noite reunidos em volta de fogueiras na fronteira turca em Pazarkule (Kastanies no lado grego). Algumas pessoas atiraram pedras contra as forças de segurança. Os enfrentamentos eclodiram depois que a Turquia anunciou, na sexta-feira (28), que não impediria mais os migrantes de irem para a Europa. A declaração traz à tona o fantasma da grave crise migratória que abalou o continente europeu em 2015.

Segundo a imprensa turca, ônibus foram disponibilizados em Istambul para os migrantes que desejam ir para a fronteira grega. Imagens captadas por drones mostram dezenas de migrantes atravessando campos com sacos nas costas, ou na cabeça, e outras pessoas atravessando uma floresta em direção à fronteira grega.

Diante da ameaça, a Grécia dobrou suas patrulhas na fronteira com a Turquia e o primeiro-ministro grego disse que nenhuma entrada ilegal será permitida.

Um vídeo publicado pela agência de notícias DHA mostrava um barco inflável cheio de migrantes, partindo da costa oeste da Turquia com destino à ilha grega de Lesbos, no Mar Egeu. A Turquia abriga cerca de quatro milhões de migrantes e refugiados, principalmente sírios.

Neste sábado, o porta-voz do governo grego disse que 4.000 migrantes da Turquia foram impedidos de entrar ilegalmente no país. "A Grécia enfrentou uma tentativa organizada, em massa e ilegal de violar nossas fronteiras e a superou", afirmou Stelios Petsas, após uma reunião de emergência com o primeiro-ministro Kyriakos Mitsotakis. "Protegemos nossas fronteiras e as da Europa", acrescentou.

A União Europeia apela à Turquia para que honre seus compromissos do pacto migratório assinado em 2016.

Turquia reage

Em discurso neste sábado, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, reafirmou que deixará as fronteiras da Europa abertas aos migrantes. Ele ainda acrescentou que o regime de Damasco "pagará o preço" por seus ataques à Turquia, dizendo que o país "não pode lidar" com uma nova onda de refugiados sírios.

Erdogan criticou a União Europeia por não ajudar Ancara a suportar o fardo. "Não vamos fechar as portas", disse Erdogan, acrescentando que 18 mil migrantes já se dirigiam à Europa, um número que não pode ser confirmado. O presidente turco ainda afirmou que havia ordenado a Rússia a "sair do seu caminho" na Síria.

Em represália à morte de seus combatentes por parte do regime de Bashar al-Assad na região de Idlib, a Turquia voltou a fazer ofensivas que resultaram na morte de 48 soldados pró-Damasco nas últimas 24 horas em bombardeios de artilharia e ataques aéreos turcos.

A Turquia ainda afirmou ter destruído uma "instalação de armas químicas" a 13 quilômetros de Aleppo. O regime de Damasco já foi acusado inúmeras vezes de utilizar armamento químico desde o início do conflito, em 2011. De lá para cá, mais de 380 mil pessoas já morreram.

A situação se agravou após a morte de mais de 30 soldados turcos em bombardeios do regime de Damasco, na quinta-feira (27). A Turquia respondeu, matando pelo menos 16 combatentes sírios, de acordo com o Observatório Sírio para os Direitos Humanos (OSDH).

Depois de sofrer as maiores perdas em um único ataque desde o início de sua intervenção na Síria, em 2016, Ancara reivindicou o apoio do Ocidente e, em uma aparente tentativa de pressionar a UE, anunciou as novas medidas para as fronteiras.

Situação crítica em Idlib

É provável que essa nova escalada militar agrave ainda mais a situação humanitária já crítica em Idlib, onde centenas de civis foram mortos e quase um milhão de pessoas tiveram que deixar suas casas, nos últimos meses.

A presidência turca convocou a comunidade internacional a estabelecer uma zona de exclusão aérea em Idlib para conter os aviões do governo sírio e de Moscou que bombardeiam a região há vários meses.

A União Europeia está preocupada com o risco de um grande confronto internacional. A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) fez uma reunião de emergência e apelou pelo fim da ofensiva do regime de Damasco e da Rússia, pedindo respeito à lei internacional.

Após os ataques de quinta-feira, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, ofereceu condolências à Turquia, dizendo que queria impedir que "tais tragédias" acontecessem novamente e que Moscou "faria tudo para garantir a segurança dos soldados turcos" mobilizados na Síria.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, e da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, conversaram por telefone e disseram estar preocupados com o aumento das animosidades. De acordo com o Kremlin, os dois líderes expressaram sua "séria preocupação" com a situação em Idlib e decidiram estudar a "possibilidade de realizar uma cúpula em breve".

Rússia anuncia acordo

Depois de vários dias de discussões em Ancara com a Turquia, Moscou anunciou neste sábado um acordo para reduzir as tensões no noroeste da Síria. "Medidas concretas para alcançar a estabilidade na área de Idlib foram revisadas ", disse o Ministério das Relações Exteriores da Rússia.

"Os dois lados confirmaram seu objetivo de reduzir as tensões, continuando a luta contra os terroristas", acrescentou a mesma fonte.

Reunião de emergência na ONU

O Conselho de Segurança da ONU realizou uma reunião de emergência na sexta-feira para tratar dos últimos acontecimentos na Síria e a morte de soldados turcos em ataques do regime de Damasco.

A reunião foi solicitada pelos Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, França, Bélgica, Estônia e República Dominicana, informou à imprensa o presidente em exercício, o embaixador belga Marc Pecsteen de Buytswerve. Muitos desses países expressaram publicamente apoio à Turquia.

Londres condenou "a falta de consciência e a brutalidade" do regime sírio e de seu aliado russo no noroeste da Síria, enquanto a França expressou "solidariedade" à Turquia.

O ministro francês das Relações Exteriores, Jean-Yves Le Drian, "condenou as violações reiteradas do regime sírio e da Rússia dos seus compromissos relativos a diminuir a violência na província de Idlib e do direito internacional". Ele reiterou o apelo da França "a um fim da ofensiva militar" na região.

Moscou apoia desde o fim de 2019 a ofensiva lançada por Damasco para recuperar o controle de Idlib, a última fortaleza dos jihadistas e rebeldes.

Desde o início do conflito sírio, em 2011, o Conselho de Segurança mostrou, em diversas ocasiões, sua paralisia nesse assunto, em razão dos interesses conflitantes dos atores internacionais na guerra. A Rússia recorreu ao seu poder de veto 14 vezes para se opor à adoção de textos destinados a deter as ofensivas militares ou para limitar as intervenções humanitárias sem a aprovação do regime de Damasco.