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Brasileiro da Airbus sobre quarentena na França: "todo mundo triste sem saber como vai terminar"

14/04/2020 14h18

A pandemia de coronavírus que confinou mais de 2,6 bilhões de pessoas em todo o mundo teve um impacto massivo na atividade das companhias aéreas. A RFI conversou com um brasileiro que trabalha na linha de produção da Airbus, uma das maiores construtoras de aviões do mundo, localizada em Toulouse, no sul da França, e que tem sido fortemente impactada pela crise.

Nascido no Recife, Carlos Cavalcante mora há 16 anos na Europa e tem sentido na pele as dificuldades enfrentadas pelo setor aeronáutico. Parado há um mês e 20 dias, ele ainda terá que esperar até 11 de maio, quando o confinamento deverá ser gradualmente interrompido na França, para poder retomar suas atividades.

"Eu trabalho na linha de construção dos reversores de potência do modelo A350, que é uma assistência para frear o avião. Nós fazemos a construção, a instalação dos motores e toda a manutenção antes da entrega da aeronave para a companhia aérea", explica. "Houve uma baixa muito grande do volume de entregas de aparelhos e vai impactar bastante, não temos ainda uma noção global de como vai terminar esse ano", lamenta.

"A Airbus é uma grande família e estamos sempre muito motivados. A linha de montagem dos reversores de potência é uma linha móvel como na produção automotiva. E está todo mundo muito triste, querendo que o coronavírus vá embora logo para que a gente possa retomar os trabalhos", acrescenta Cavalcante.

Uma das atividades mais afetadas pela pandemia

A paralisia da atividade econômica mundial causou um declínio no tráfego aéreo em todo o mundo. Um cenário catastrófico para as companhias de aviação, que perderam seus passageiros e devem demorar para recuperar os prejuízos. Em entrevista ao jornal Le Figaro desta quarta-feira (14), o presidente-executivo da Airbus, Guillaume Faury, analisa as consequências de ver grande parte da frota mundial de aviões no solo.

"O impacto da epidemia é massivo para as companhias aéreas, que estão na primeira linha e muitas lutam para se salvar. Os construtores aeronáuticos são a segunda linha, mas é certo que seremos muito expostos. O principal problema reside nas decisões que serão tomadas em termos de atraso de pagamentos e de entregas", diz.

"Até esse momento, não houve anulações de pedidos por conta da Covid-19, mas pode acontecer", diz o presidente-executivo do grupo. "Nossos clientes querem estar preparados para quando a atividade econômica retomar, mas, a curto prazo, a prioridade das companhias aéreas é gerir a crise. Para a Airbus, isso significa uma forte redução das entregas, da atividade em geral e do faturamento", afirma Faury.

Para se adaptar a esse novo contexto sombrio de mercado, a Airbus anunciou a redução do ritmo de produção e entrega de aviões em 30%. No primeiro trimestre de 2020, foram entregues 122 aeronaves, o que representa uma redução de cerca de um terço em comparação com as taxas médias anteriores à crise. Em março, a Airbus entregou 36 aviões, contra 55 em fevereiro de 2020.

"Quando a gente fala nesse número de 122 aviões, a gente tem que incluir todos os programas existentes: o A320, o A330, o A350 e o A 380, ou seja, divide entre todos os modelos da empresa", diz Cavalcante.

"É difícil, porque o ano passado foi um ano excelente para todos nós da empresa, em que conseguimos atingir os nossos objetivos e nós esperávamos que esse ano seria melhor ainda. Mas com essa crise do coronavírus estamos há mais de um mês parados e pensando agora em como vai ser a retomada das atividades". 

 

Mais de 6 milhões de pessoas em desemprego parcial

Somente em Tolouse, a Airbus emprega 26.000 funcionários. Além de cortar parte da produção, foi necessário propor uma licença aos empregados. Carlos está entre os mais de 6 milhões de franceses atualmente em desemprego parcial no país, situação em que o governo francês ajuda no pagamento e o funcionário recebe 84% do salário.

"Isso impacta muito a vida da minha família. Tem muitos colegas que são pais e que também estão nessa condição e está todo mundo muito triste e querendo voltar a trabalhar", diz.  "É complicado ficar confinado dentro de casa, saindo somente para fazer o básico, como ir numa farmácia ou no médico. O maior patrimônio do ser humano é o direito de ir e vir e agora estamos privados desse direito", acrescenta.

Impacto na economia

Um avião do modelo mais barato fabricado pela Airbus custa entre 80 e 90 milhões de dólares. Valor que pode passar dos 400 milhões de dólares no caso do A380, o super jumbo de luxo que deixará de ser fabricado em 2021, quando será substituído por um modelo mais rentável.

"O A380 teve a construção descontinuada. Eles só estão trabalhando na entrega dos aviões que já foram produzidos e, em 2021, a linha de produção vai parar completamente e será adaptada para um outro modelo de aparelho", explica Cavalcante.

"Para construir um avião é preciso um trabalho de equipe. Somos como formigas, trabalhamos unidos, andando na mesma direção. No meu setor, somos 150 pessoas divididas entre duas equipes de engenheiros e suporte técnico", explica Cavalcante.

Os governos da França, Alemanha e Espanha estão entre os acionários da Airbus. A diretoria da empresa diz que não pensa em pedir intervenção financeira direta e nem aumento de capital, mas espera que a Europa se una para vencer a crise. "Nós fazemos face a uma crise sanitária mundial e excepcionalmente grave, mas também a uma crise econômica mundial duríssima e ambas devem ser tratadas ao mesmo tempo", pede Guillaume Faury.

"Eu não acredito que os homens percam a vontade de descobrir o planeta. Mas será necessário encontrar soluções para mostrar aos passageiros a segurança sanitária do transporte aéreo. Porém, a nossa indústria é resiliente e já mostramos isso", acrescenta o executivo na entrevista ao jornal francês.

Em 2018, a Airbus declarou um faturamento de mais de 60 bilhões de dólares. Quando uma empresa desse porte sente dificuldades, há um efeito em cascata, como alerta Cavalcante.

"Aqui no sul da França a Airbus é uma grande potência econômica, assim como para a França toda. Mas aqui tem os trabalhadores informais, os autônomos que também são impactados por essa pandemia. Claro que todos estão tendo um suporte muito grande do governo francês, mas quando vemos uma empresa grande como a Airbus sofrer, a gente imagina como estão os pequenos comércios e pequenos empresários, sobretudo da área de restaurantes e de turismo", preocupa-se.