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Índia retoma atividade agrícola para evitar convulsão social diante da crise do coronavírus

20/04/2020 09h39

Alguns setores da economia indiana voltam ao trabalho, nesta segunda-feira (20), principalmente a agricultura, a fim de conter os danos causados pela pandemia de coronavírus. A Índia, segunda nação mais populosa do mundo, com mais de 1,3 bilhão de habitantes, precisa preparar a nova safra agrícola para evitar que uma convulsão social de maiores proporções venha agravar a crise econômica e sanitária.

David Baché, da RFI

O governo do primeiro-ministro nacionalista Narendra Modi decretou um isolameno rigoroso da população desde 25 de março e já prolongou o prazo uma vez, até 3 de maio. Segundo o balanço oficial mais recente, mais de 14.000 indianos foram infectados com o novo coronavírus e quase 500 morreram.

A Índia está praticamente paralisada, e projeções indicam que o ritmo de crescimento da economia pode ser dividido por quatro em 2020. Para tentar conter o impacto do isolamento prolongado, as autoridades indianas decidiram autorizar a reabertura do comércio online, a retomada de algumas atividades industriais - nos setores de energia, farmacêutico e construção - e sobretudo na agricultura. Dois terços da população ativa indiana dependem deste setor vital. Os trabalhadores que retomam o caminho do trabalho deverão respeitar as regras de distanciamento social e usar máscaras ou outro tipo de proteção no rosto.

Período de colheita

"A revolta contra a rigidez da quarentena começou a crescer no estado de Punjab, que é o celeiro da produção de trigo e arroz da Índia", explica Bruno Dorin, economista e engenheiro agrônomo do Centro de Ciências Humanas (Cirad) de Nova Délhi. "Como estamos no período da colheita, os agricultores querem poder vender e entregar seus produtos", explica. Ao mesmo tempo, continua o economista, "é preciso preparar a terra para o plantio, comprar fertilizantes, agrotóxicos e sementes para a próxima safra". Seria inconveniente não preparar as futuras colheitas, que tudo indica poderão ser realizadas, diz o pesquisador. "A crise da Covid-19 não cria um problema de oferta, mas sim de acesso à produção", afirma.

Dorin aponta as deficiências no transporte de alimentos causadas pelo isolamento da população. O transporte público está paralisado no país, e os caminhões de carga geralmente ficam bloqueados entre os diferentes estados indianos. O comércio enfrenta dificuldade para receber as mercadorias, e os indianos não conseguem comprar alimentos básicos. Quanto aos agricultores, eles lutam para vender sua produção. Em poucas semanas, o quilo do frango ficou seis vezes mais barato.

Paranóia e violência policial

Mas não é certo que a retomada parcial das atividades ajudará a limitar os estragos. "Tenho minhas dúvidas", afirma Frédéric Landy, professor e pesquisador de geografia na Universidade de Paris-Nanterre. Atualmente, ele está em Pondicherry, no sul da Índia, onde dirige o Instituto Francês da cidade.

"Tanto o governo federal, em Nova Délhi, quanto as administrações estaduais dizem que é preciso retomar uma parte da atividade produtiva, que a circulação dos agricultores e das colheitadeiras é uma prioridade, e que as lojas de fertilizantes devem ser reabertas", afirma o geógrafo. Mas existe "uma paranóia" nas categorias inferiores, segundo ele, que tendem a se fechar por medo. O geógrafo afirma que devido à "violência intrínsica" da polícia indiana - que tem usado tacos e bastões de madeira para bater nas pessoas que não respeitam o distanciamento social -, os indianos têm ficado "mais prisioneiros do que a lei exige". Policiais à paisana têm ajudado a espalhar esse terror na população.

Com isso, a situação humanitária se agrava. Na Índia, apesar do forte crescimento, mais de 80% dos trabalhadores atuam no mercado informal. Existem milhares de migrantes econômicos internos, que às vezes caminham mais de 100 quilômetros à pé pelas estradas até chegar a um local onde vão trabalhar por dia, em troca de uma soma miserável. As primeiras vítimas colaterais do coronavírus são esses trabalhadores.

"A crise da Covid-19 mostra que os agricultores que tiveram de migrar para as cidades em busca de trabalhos precários se encontram nos centros urbanos sem comida e sem salário", diz Bruno Dorin, economista do Cirad em Nova Délhi. A situação também é dramática nas favelas, onde as pessoas não podem sair e não têm comida. Há também dificuldades de acesso à água, mesmo em pouca quantidade para lavar as mãos - um gesto de prevenção crucial para evitar a propagação do vírus. "Mas, sem dúvida, o probema mais grave são os milhares de trabalhadores muito precários que precisaram parar da noite para o dia", avalia Dorin.

Ajuda e limites de ajuda

A situação é desconfortável para o primeiro-ministro Narendra Modi. Ele foi eleito em 2014 e reeleito no ano passado, graças à sua promessa de criar milhões de empregos formais para os indianos.

Enquanto a pandemia restringe a margem de manobra de Modi, o governo implementou um plano de estímulo financeiro para superar as consequências econômicas do confinamento.

"No plano federal, houve um pacote de medidas de cerca de 1% do PIB", explica Landy. Boa parte desses recursos é destinada a oferecer alimentação subsidiada (cesta básica), mais dias de trabalho em obras públicas e também uma pequena quantia de dinheiro depositada diretamente nas contas bancárias das pessoas. Porém, muitos indianos não têm acesso a esse dispositivo por não possuírem contas bancárias e não saberem como administrá-las. O especialista francês também observa que os 100 a 150 milhões de trabalhadores migrantes não acessam o dispositivo implementado pelo Estado por estarem distantes de seu local de residência, onde fica a agência bancária que recebe o dinheiro enviado pelo governo federal e o centro de distribuição da cesta básica.

Em razão dessas dificuldades, as tensões sociais crescem no país e existe o risco de que se transformem em distúrbios. A dramática situação econômica e humanitária já causa conflito entre as diferentes comunidades religiosas. Em um país controlado pelo partido nacionalista hindu, que segue uma política antimuçulmana, essa grande minoria é hoje alvo de campanhas de desinformação (fake news) nas redes sociais. Grupos de extremistas nacionalistas espalham nas redes sociais que são os muçulmanos que propagam o coronavírus na Índia.