Topo

Futebol francês enfrenta tabu da depressão em meio à crise do coronavírus

27/04/2020 15h05

Na França, onde o futebol anda parado há quase dois meses, o Fifpro, o Sindicato Internacional de Jogadores, manifestou sua preocupação por meio de uma pesquisa sobre depressão e ansiedade no mundo da bola. No país, 50% dos atletas e quase 30% dos jogadores de futebol apresentam atualmente sinais depressivos. Números considerados exorbitantes, que se agravaram devido ao confinamento, e que evidenciam um problema real. A pesquisa também revela que jogadores de futebol possuem duas vezes mais tendência à depressão do que outros atletas ou outras profissões em geral.

Em meio à  crise de saúde ligada à epidemia de coronavírus, o futebol europeu se encontra fora de campo. A UEFA, instituição que reagrupa cerca de 55 confederações nacionais de futebol na Europa, já havia alertado. A confederação emitiu uma forte recomendação para a não realização de competições nacionais, devido à pandemia global.

Uma variedade de possibilidades relacionadas ao calendário de competições nacionais e europeias de clubes foi apresentada durante uma reunião por telefone com as 55 federações-membro sem especificar datas. De acordo com informações da equipe, a UEFA gostaria que os campeonatos nacionais terminassem em 3 de agosto, antes que as competições europeias sejam retomadas. Uma final da Liga dos Campeões em 29 de agosto estaria prevista, enquanto a da Liga Europa poderia ocorrer em 27 de agosto.

No entanto, a situação está longe de ser tão simples. As medidas relativas à liberação do confinamento variam de país para país. À medida que uma recuperação da crise da Covid-19 parece se aproximar na Alemanha, a Holanda colocou um ponto final nas competições desta temporada, e a Bélgica parece seguir pelo mesmo caminho. Inglaterra, Espanha e Itália ainda estão esperando para tomar uma decisão definitiva.

Um estudo na França para medir a depressão entre jogadores

O confinamento traduz agora o cotidiano dos franceses desde 17 de março. Todos os cidadãos são afetados, dos mais pobres aos mais ricos, e os jogadores de futebol não são exceção. Confinados em seus lares, privados de sua profissão e paixão, o tempo fica mais longo e o risco de problemas psicológicos está aumentando. Para medir essa pressão, um estudo foi realizado em março e abril em 16 países, com 1.513 profissionais do futebol, incluindo 356  destes na França. Solicitado pelo serviço médico do FifPro, o estudo se concentrou na ansiedade e na depressão, de acordo com informações de France Info.

Os resultados são impressionantes, para se dizer o mínimo. Na França, 28% dos atletas e 50% dos jogadoras de futebol apresentam sinais depressivos, leves ou mais graves. "Enviamos diversas perguntas, sete sobre ansiedade e nove sobre depressão. Todos os depoimentos foram anônimos e todos os jogadores puderam desenvolver suas respostas", disse Vincent Gouttebarge, diretor médico da Fifpro e responsável pela pesquisa.

Uma situação sem precedentes para os jogadores

"Frequentemente conduzimos esse tipo de investigação para descobrir como os profissionais estão psicologicamente. Com o confinamento, eu esperava um aumento lógico desses números, mas não tanto", admite Gouttebarge, ex-jogador com passagem pelo Auxerre no início da década de 1990.

A quarentena parece ter tido um impacto significativo no estado psicológico dos jogadores de futebol. "Os jogadores são homens e mulheres normais. Achamos que eles eram diferentes do resto da sociedade, quando, na realidade, não é esse o caso", observa Thomas Aupic, treinador mental, que trabalha com uma dúzia de jogadores de futebol da primeira e da segunda divisão.

"É uma situação totalmente nova para eles. É ainda mais complicado, pois são completamente privados de tudo o que constitui sua vida profissional", continua o especialista. "Essa crise simplesmente expôs o jogador de futebol. Ele agora tem que treinar sozinho, uma situação que caracteriza o oposto de um esporte coletivo. Ele não tem mais os jogos que pontuam sua vida e lhe fornecem sua dose de adrenalina", afirmou Aupic à France Télévisions.

Alta exposição na mídia corrobora para a depressão

Delphine Herblin, psicóloga, acompanha muitos jogadores, especialmente do RC Lens, e analisa a depressão acentuada no mundo do futebol. "A vida dos jogadores geralmente é muito estruturada em termos de tempo e espaço. Mas, sem uma retomada do treinamento e da competição, ou com objetivos esportivos, sua orientação ficou turva", analisou.

Poderia-se pensar que todos os atletas de alto nível enfrentam o mesmo problema. No entanto, o jogador de futebol é diferente. Um estudo da Fifpro descobriu em 2016 que eles são mais propensos à depressão do que o restante da população (37% para jogadores de futebol, 15% para o resto da população). E sua exposição na mídia tem um papel importante nisso, de acordo com a psicóloga. "Eles estão mais expostos. Essa cessação brutal de sua mídia e existência social causou uma mudança mais radical do que para outros. Agora, de repente, eles se encontram quase no anonimato. Alguns podem sofrer com esse parêntese narcísico", avalia Delphine Herblin.

Um retorno brutal à "vida real" que alguns estão lutando para redescobrir. "Os jogadores me telefonam mais frequentemente do que o normal neste momento. Essa adrenalina, essa comunhão com o público, eles sentem falta", diz Frédéric Guerra, agente famoso de estrelas como Maxime Gonalons, Florian Balmont ou mesmo Junior Samba.

Como enfrentar esse tabu?

A falta que faz o retorno aos gramados é acompanhada de ansiedade e, em alguns casos, de sentimentos depressivos. "Sinto muito medo e ansiedade entre os jogadores", disse Christophe Pélissier, treinador do Lorient. A constatação está, portanto, aí: os jogadores vivem mal esse período, mais do que outras profissões. Mas existem soluções. Para Thomas Aupic, "o apoio é necessário, um jogador de futebol não é apenas um corpo".

Aupic se aproximou o máximo possível de seus jogadores durante o isolamento social na França. As ansiedades, os medos, ele os verifica diariamente, ouvindo-os confidencialmente. "Antes de tudo, cada entrevista durante o confinamento eu faço em vídeo. Eu preciso vê-los, pois a linguagem corporal pode dizer muito. Existem sinais que não enganam, seja no corpo, seja na expressão do rosto, na maneira de falar. É preciso ter muito cuidado com os sinais e não abandonar os jogadores. É preciso estar vigilante, principalmente neste momento", afirmou o treinador mental.

Campeão ou jogador modesto, ninguém está imune. "É muito difícil. Fisicamente é difícil, mas ainda mais mentalmente", disse Jordan Veretout, meio-campista do Roma, ao jornal esportivo Eurosport.

Na França, esses riscos preocupam muito o UNFP, o sindicato dos jogadores franceses de futebol. O organismo está em contato direto com esses atletas, homens e mulheres, em território francês, e chegou a criar uma unidade de apoio psicológico há quatro anos. Toda quinta-feira, psicólogos se colocam à disposição dos jogadores para ouvi-los e ajudá-los, se necessário. "Tentamos conscientizar jogadores e clubes sobre esses problemas psicológicos e sobre o apoio que eles podem encontrar. Mas isso sempre é visto como uma fraqueza nesse ambiente", analisa Aupic.