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Com estudos contraditórios, antiviral norte-americano é ainda promessa contra Covid-19

01/05/2020 08h49

Na última quarta-feira (29), Anthony Fauci, o líder científico do governo dos Estados Unidos, anunciou como boa-nova os resultados do antiviral remdesivir no tratamento da Covid-19. O estudo da farmacêutica Gilead indicou uma recuperação acelerada dos pacientes e animou o Mister Ciência norte-americano. Pesquisadores, no entanto, mantêm o ceticismo diante de uma pesquisa que ainda não teve seus resultados publicados.

De Sébastian Seibt, da France 24.

Um estudo muito menos animador foi publicado na revista científica The Lancet no mesmo dia. A pesquisa, feita por chineses em dez hospitais da província de Hubei, afirma que o antiviral teve pouco resultado entre seus pacientes.

Enquanto as ações da farmacêutica norte-americana aumentaram na bolsa de valores, pesquisadores afirmam que ainda são necessárias mais esclarecimentos sobre as pesquisas e novos resultados para determinar se o remédio será mais do que uma promessa para o tratamento dos pacientes de coronavírus.

Estudo dos EUA promete recuperação mais rápida

A pesquisa que animou Fauci foi conduzida pelo Instituto Nacional Americano de Saúde (NIH, na sigla em inglês) e levou em conta 1.063 pacientes nos EUA, na Europa e na Ásia. Os pacientes foram divididos entre os que receberam um tratamento placebo e os que tomaram o remdesivir, antiviral usado no tratamento do Ebola.

A análise preliminar do estudo indica que os pacientes tratados com o remédio de Gilead se recuperavam cerca de quatro dias antes que os outros, e a mortalidade também seria menor.

Com mais de 1 milhão de norte-americanos contaminados pelo coronavírus, a Casa Branca já estaria considerando usar o remédio em seus hospitais, informou o New York Times.

Desde o início da epidemia de coronavírus, o remdesivir é considerado um dos remédios mais promissores. O que o torna atraente é sua capacidade de atacar especificamente o mecanismo que permite aos vírus, como o coronavírus, "replicar e ampliar sua carga viral no corpo hospedeiro", explica Isabelle Imbert, especialista em antivirais na universidade francesa Aix-Marseille.

Desenvolvido pela Gilead para combater o Ebola, o medicamento provou-se eficaz contra vírus respiratórios, como o responsável pela SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave). "Produziu resultados muito encorajadores em testes em animais expostos a SARS e a Mers [um coronavírus que apareceu em 2014 no Oriente Médio] ", lembra a pesquisadora francesa.

Estudos aleatórios e com teste cego, como o feito pelo instituto norte-americano, são considerados como o melhor padrão para a avaliação de remédios. No entanto, a pesquisa norte-americana ainda não publicou seus resultados, e seus detalhes ainda são desconhecidos para avaliação de outros pesquisadores.

Estudo chinês diz o contrário

O artigo publicado no respeitado jornal britânico The Lancet pela equipe de pesquisadores chineses tem conclusões muito menos animadoras. A experiência, realizada em 237 pacientes gravemente doentes em dez hospitais da província de Hubei (região onde a epidemia começou), sugere que o remdesivir fez pouca diferença no tratamento.

"Infelizmente, nosso estudo mostra que este tratamento não tem benefício específico em comparação com um placebo", escreve Bin Cao, principal autor do artigo.

E quem está certo?

"Os dois estudos parecem ter qualidade equivalente", observa Stephen Evans, pesquisador em farmacoepidemiologia no departamento de estatística médica da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres.

Mas, segundo os cientistas, é difícil compará-los neste momento porque faltam informações sobre algumas das suposições básicas dessas experiências. "Não se sabe, por exemplo, em que estágio da doença o remdesivir foi administrado em cada caso e se houve combinações com outros tratamentos, o que pode ter grandes impactos nos resultados", explica Jonathan Stoye, virologista do Instituto Francis Crick, em Londres.

"Os estudos realizados com a SARS em 2002 mostraram que quanto mais se demorava para usar o remdesivir, menos eficaz ele era", lembra Étienne Decroly, diretora de pesquisas virológicas do centro de pesquisa francês CNRS. Na experiência chinesa, todos os pacientes estavam "em estado grave", o que poderia explicar seus resultados menos promissores.

Outra fragilidade da investigação chinesa é o número de pacientes, 237 casos face aos 1.063 pacientes do estudo norte-americano.

No entanto, a pesquisa chinesa tem a seu favor o fato de serem as conclusões finais de um estudo publicado com informações completas. "Sabemos que, geralmente, as análises preliminares tendem a ter resultados mais positivos que as análises finais", destaca Derek Hill, especialistas da University College London.

Mais estudos de larga escala

Diante dessas questões em aberto, os cientistas aguardam resultados de outros testes em larga escala feitos com o remédio de Gilead, como o estudo clínico Discovery, realizado pelo instituto de pesquisa francês Inserm desde 24 de março e que também leva em conta milhares de pessoas.

Para que um tratamento seja validado e comercializado, "geralmente há dois grandes ensaios clínicos que demonstram sua eficácia", disse Derek Hill, da University College London.

Enquanto aguardam-se os resultados de outros estudos, uma coisa é certa para Stephen Evans: "Mesmo que as provas de sua eficácia ainda não estejam completas, podemos imaginar que o remdesivir será o novo padrão com o qual serão comparados outros tratamentos atualmente em estudo."