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Na Venezuela, filas marcam primeiro dia de venda de gasolina importada em dólares

01/06/2020 18h21

Filas quilométricas se formaram nas imediações dos postos de gasolina em toda Venezuela nesta segunda-feira (1), primeiro dia em que o combustível, importado do Irã, é vendido em dólares e não na moeda local, o bolívar.

Elianah Jorge, correspondente da RFI em Caracas.

Após décadas sem aumentar o preço da gasolina, tema que era tabu na política do país, os venezuelanos, mesmo indignados, preferiram desembolsar U$0,50 pelo litro do combustível. O valor é considerado inviável para os que ganham 800 mil bolívares de salário mínimo no país socialista (pouco mais de 4 dólares).

O novo preço da gasolina foi anunciado na noite de sábado (30) pelo presidente Nicolás Maduro. A chegada da gasolina aos postos de abastecimento coincide com o primeiro dia da flexibilização da quarentena em toda a Venezuela.

O governo bolivariano anunciou duas modalidades para o abastecimento de veículos. Os venezuelanos podem pagar em moeda estrangeira pelo combustível ou, aqueles que têm o "carnet de la patria", a carteira de identidade dos que recebem benefícios estatais, podem pagar cinco mil bolívares pelo litro da gasolina, desde que obedeçam o rodízio de acordo com o final da placa do veículo.

Os que estão registrados no banco de dados estatal e pagam menos pelo combustível podem comprar até 120 litros de gasolina subsidiada ao mês. Caso passem desta quantia, terão que pagar o equivalente em moeda estrangeira para abastecer.  

"Como faço se ganho por mês 800 mil bolívares?", questiona José Pérez, um mototaxista que mora na região oeste de Caracas. Ele não tem o "carnet de la patria" e, ignorando as determinações estatais, aguardava na fila de um dos postos subsidiados.

Gasolina importada

Pela primeira vez, venezuelanos estão usando gasolina importanda. Encher um tanque com mais de 40 litros de gasolina no país era mais barato que comprar uma garrafinha de água. Autoridades do chavismo diziam que "na Venezuela sai mais barato lavar as mãos com gasolina que com água". Essa frase ficou no passado. Para um cidadão que ganha pouco mais de quatro dólares de salário mínimo o combustível agora é caríssimo.    

O país, que já foi uma potência na produção de petróleo, importou há poucas semanas cerca de 1,5 milhão de barris de combustível do Irã. No entanto, especialistas afirmam que em breve o governo precisará voltar a comprar gasolina no mercado internacional para suprir a demanda interna. O governo iraniano afirmou estar disposto a vender combustível à Venezuela apesar das ameaças do governo de Donald Trump.

Pelo menos 150 postos de gasolina privatizados estão revendendo em Caracas o combustível importado. Antes apenas os que eram da estatal Petróleos da Venezuela (PDVSA) tinham direito de vender o produto. Esta foi uma das mudanças anunciadas pela gestão de Nicolás Maduro. No entanto, ainda não há informações claras sobre quando aconteceu a privatização dos postos que revendem a gasolina no país

Ao longo da gestão de Nicolás Maduro, iniciada em 2013, as principais refinarias do país ficaram sucateadas por falta de investimento. A situação piorou com as sanções impostas pelos Estados Unidos a diversos setores do país.

Ainda há filas

Maduro declarou que a partir desta segunda-feira não haveria filas para abastecer. No entanto, dezenas de carros aguardavam horas nos postos de gasolina. Essa situação deve continuar por toda a semana, até que os venezuelanos consigam reabastecer os carros que estavam parados por falta de combustível, ou até que os estoques acabem.

Durante o período de escassez de combustível, muitos decidiram utilizar bicicletas para se locomover. Como também faltam notas de bolívares no país, muitas pessoas, sem ter como pagar pelo transporte público, caminham quilômetros diariamente.

Quem tinha condições, podia recorrer ao mercado paralelo onde o litro da gasolina varia entre dois e quatro dólares.

"O país está um desastre. Apesar de ainda estar caro, agora pago cinquenta centavos de dólar pelo litro. Durante a escassez cheguei a pagar U$2,50 pelo litro", disse um homem que estava há mais de quatro horas em uma das diversas filas na capital venezuelana esperando para encher o tanque.

Apesar do bolívar ainda ser a moeda nacional, o preço dos produtos na Venezuela são negociados em moeda estrangeira. Mas boa parte das transações ainda são feitas em moeda nacional, no entanto, quem quer comprar gasolina a partir de agora, tem que pagar em dólares.

"Aqui só estamos aceitando notas de dólar. Nem mesmo bolívares pagos de acordo com a cotação do Banco Central podemos receber. Aqui só em dólar", explicou a frentista de um posto em Caracas.  

Postos militarizados   

Desde os primeiros dias da escassez os militares estão ordenando as filas e as vendas nos postos de gasolina. Nos diversos estabelecimentos onde a reportagem da RFI esteve, a cena se repetia.

Nos postos subsidiados, onde a gasolina é mais barata, os militares conferiam o documento do motorista, o do veículo e verificavam se a placa estava de acordo com o dia definido pelo governo. Só motoristas registrados no sistema do "carnet de la patria" podiam passar. Depois de todo o périplo, o abastecimento era liberado.

Já nos locais privatizados não é preciso obedecer ao rodízio. Mas ninguém escapa das longas filas. Após esperar por quase cinco horas, Wilbert Díaz desembolsou U$20 por quarenta litros de gasolina. "Sinto indignação por causa desses preços. Não pode ser que com este salário mínimo tenhamos que pagar este absurdo", diz.

De acordo com o economista Angel Alvarado, "uma família teria que gastar até 100 dólares por mês para poder encher o tanque. Quem ganha um salário mínimo não poderá manter um carro".

Analistas acreditam que em breve haverá uma mudança na economia venezuelana devido à dolarização da gasolina.