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Japão declara surto de coronavírus sob controle e já vive 'novo normal'

Estado de emergência nacional durou de 16 de abril a 14 de maio (para 39 das 47 províncias) e 25 de maio (para as áreas mais afetadas). - ISSEI KATO/REUTERS
Estado de emergência nacional durou de 16 de abril a 14 de maio (para 39 das 47 províncias) e 25 de maio (para as áreas mais afetadas). Imagem: ISSEI KATO/REUTERS

03/06/2020 09h56

Junho começou com fogos de artifício no Japão. Às 20h desta segunda-feira (1), explosões coloridas iluminaram os céus do arquipélago asiático, do extremo norte em Hokkaido ao extremo sul em Okinawa, parte do "Cheer Up! Hanabi", uma iniciativa de cerca de 130 fabricantes de fogos para homenagear os japoneses mortos por covid-19: foram 899 ao longo de 132 dias. Além de memorial, foi uma ação simbólica para energizar e encorajar o país diante da pandemia do novo coronavírus.

O mês também teve início com uma prévia do "novo normal" após o fim do estado de emergência nacional, que durou de 16 de abril a 14 de maio (para 39 das 47 províncias) e 25 de maio (para as áreas mais afetadas). Até 2 de junho, o país realizou cerca de 300 mil testes e contabilizou 16,7 mil casos (entre eles, 14,4 mil recuperados).

Restam 1,4 mil casos ativos atualmente. Nas últimas 24 horas, foram registrados 51 novos casos - é um número bastante baixo se comparado à França (339 novos casos), que está flexibilizando regras e reabrindo atividades, ou Brasil (11.598), atual epicentro da pandemia. Mas, para os padrões japoneses, é alto, tanto que a capital emitiu um alerta, o "Tokyo Alert", após a confirmação de 34 novos casos nesta terça (2).

Ao anunciar o fim do estado de emergência, o primeiro-ministro Shinzo Abe enfatizou diversas vezes que a sociedade japonesa deve se adaptar a um "novo estilo de vida", como higienizar mãos a todo tempo, vestir máscaras e continuar evitando aglomerações. Shows, por exemplo, inicialmente serão abertos a uma audiência diminuta de 100 pessoas, gradualmente subindo para mil e depois 5 mil.

Ao todo, 38 das 47 províncias retomaram atividades. As aulas voltaram, bares, cafés e até parques de diversões reabriram, como o Nagashima Spaland, em Mie, o Universal Studios Japan, em Osaka. Em Aichi, polo industrial que concentra o maior número de residentes brasileiros (52.919, segundo dados do Ministério da Justiça do Japão de 2018), desinfetante spray e máscaras marcam a nova rotina nos mercados, fábricas e colégios.

Também nesta segunda-feira (1), Tóquio iniciou a segunda fase de relaxamento das restrições aos negócios, incluindo a abertura de instalações como cinemas e academias. Já são permitidas aglomerações de 100 pessoas para eventos em espaços fechados e 200 pessoas em espaços abertos. Na terceira e última fase, sem data definida, a capital japonesa deve reabrir bares e cassinos ("pachinko", em japonês) e eventos públicos em espaços abertos poderão reunir mil pessoas.

O curioso caso japonês

"É o poder do modelo japonês", definiu Shinzo Abe ao anunciar o fim do estado de emergência. Entretanto, apesar dos ares de otimismo, o arquipélago ainda vive dias de incerteza e ceticismo sobre o sucesso da estratégia na pandemia. Segundo enquete publicada pelo jornal japonês Asahi Shimbun no fim de maio, o premiê tem apenas 29% de aprovação, o menor índice desde 2012.

Oficialmente, a campanha japonesa se concentrou nos "3C" a evitar: closed spaces (lugares fechados), crowded places (lugares lotados) e close-contact settings (como contatos físicos próximos). Também oficialmente, o comitê de especialistas do governo japonês destacou ao jornal japonês The Japan Times que higiene das mãos, máscaras e distanciamento social fizeram a diferença no controle do vírus. Extraoficialmente, porém, não está claro o que definiu, afinal, a fórmula nipônica.

Diferentemente do modelo sul-coreano, chinês ou alemão, o estado de emergência japonês não incluiu testes massivos ou diretrizes rigorosas de lockdown (confinamento), mas apenas permitiu às autoridades propor orientações como a suspensão temporária de atividades de colégios, bares, cassinos, lojas e parques, além de pedir à população para evitar viagens e saídas desnecessárias de casa.

Mais brando, o isolamento nipônico não foi imposto por lei e não incluiu punições para quem descumpri-lo. A ausência de testes massivos foi alvo de críticas da imprensa internacional e nacional, além de fóruns de discussões de imigrantes na internet.

Máscaras, manias de limpeza e higiene, hábitos culturais foram apontados como fatores fundamentais por diferentes agências internacionais. Todavia, ainda não há dados científicos ou parâmetros mundiais para corroborar as teses, visto que o Sars-Cov-2 é altamente contagioso e ainda se estuda o impacto e as mutações do vírus. "O número de infecções definitivamente caiu. Parece que o vírus está sob controle. Mas o que provocou isso? Nós não temos certeza", declarou um dos especialistas integrantes do comitê, de acordo com o jornal japonês Nikkei Asian Review.

Em outras palavras, o país achatou a curva, controlou o número de novos casos e estabilizou o número de mortes, mas não se sabe ao certo como. Assim, por um lado, paira um ar de vitória após a primeira batalha contra o novo coronavírus; por outro, persiste uma atmosfera nebulosa sobre a estratégia indefinida, por que está funcionando e por quanto tempo irá funcionar ao longo desta guerra.

Para Kentaro Iwata, diretor da divisão de doenças infecciosas da Universidade de Kobe, o modelo combina múltiplos fatores, que agora devem ser analisados detalhadamente. "A situação ainda não está sob controle", diz à RFI Brasil. "Não tenho certeza [se podemos confiar nos números oficiais]. Precisamos de mais estudos. E precisamos abrir as cidades gradualmente", pondera.

Novas ondas até a Olimpíada?

Até a descoberta de uma vacina ou de um medicamento eficaz, epidemiologistas destacam que é preciso continuar alerta para prevenir novas onda de infecções após reaberturas precipitadas ou abruptas. A ilha de Hokkaido, por exemplo, já passou por duas ondas desde fevereiro. A cidade de Kita-Kyushu, na província de Fukuoka, está atravessando a segunda onda agora. Tóquio, Kanagawa e Hokkaido continuam sob vigilância, pois o número de novos casos ainda está oscilando.

Para Kenji Shibuya, do King's College, de Londres, é "inevitável" uma nova, mas temporária, alta de novos casos em Tóquio. "Há um grande, grande risco de reincidência."

"O Japão não fez testes como a Coreia do Sul, nem impôs um lockdown draconiano como fizeram metrópoles como Berlim, Nova York e Milão. Não está claro o que os japoneses fizeram, mas também ainda não estão claras as características do vírus e suas mutações. Ainda há muito mistério", avalia o economista político Taggart Murphy, professor emérito da Universidade de Tsukuba e autor de "Japan and the shackles of the past (what everyone needs to know)" - (Japão e os elos do passado - o que todo mundo precisa saber, em tradução livre, Oxford University Press, 2014).

"Há temores de novas ondas, principalmente se o Japão reabrir as fronteiras", diz Murphy à RFI Brasil. Atualmente, o Japão proíbe a entrada de viajantes vindos de mais de 100 países, incluindo Brasil, Estados Unidos e França. "Enquanto durar a pandemia, diante da situação dramática mundo afora, dificilmente será possível concretizar os Jogos Olímpicos no verão de 2021", acrescenta. Adiada de 24 de julho de 2020 para 23 de julho de 2021, a Olimpíada pode ser cancelada se a pandemia não for controlada, recentemente indicou Thomas Bach, presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI).

Às vésperas do verão de 2020, o Japão já iniciou testes de anticorpos para analisar a escala de infecção no território todo. Inicialmente, são 10 mil exames com indivíduos aleatórios em Tóquio, Miyagi e Osaka. O teste foca proteínas específicas do sistema imunológico em resposta à infecção do novo coronavírus e a ideia é identificar se, a este ponto, o país atingiu a almejada "imunidade de rebanho".