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Iraque retoma negociações com EUA em meio a divisões sobre presença americana e legitimidade do governo

11/06/2020 14h37

Após meses de disparos de foguetes e relações tensas, os Estados Unidos e o Iraque retomaram discussões nesta quinta-feira (11). Mesmo se o diálogo está sendo apresentado como "estratégico", há poucas esperanças de uma decisão imediata sobre uma das questões centrais do debate: a presença militar norte-americana em solo iraquiano.

Lucile Wassermann, correspondente da RFI em Bagdá

O último "diálogo estratégico" entre Washington e Bagdá data de 2008, quando Estados Unidos e Iraque definiram as condições de saída do país dos soldados americanos, presentes no solo iraquiano desde a invasão de 2003. Boa parte deles deixaram o país mas, desde então, as tropas voltaram - muito menos numerosas - para liderar uma coalizão contra o grupo Estado Islâmico (EI).

Mas recentemente as relações entre os dois países ficaram balançadas, principalmente após o assassinato, em janeiro passado, do general iraniano Qasem Soleimani e de seu braço-direito iraquiano em Bagdá. Cerca de trinta ataques com foguetes contra americanos foram registrados.

O episódio fez com que deputados xiitas iraquianos votassem a favor da expulsão de todos os soldados estrangeiros, enquanto Washington ameaçou atacar vários locais paramilitares.

Mas a chegada em abril de um novo primeiro-ministro, o ex-chefe da inteligência Mustafa al Kazimi, considerado próximo a Washington e seus aliados árabes, pode mudar a situação. Ele assumiu a liderança do país, que exige justiça para os 550 manifestantes mortos na repressão de uma revolta popular sem precedentes mas, acima de tudo, em meio a uma grave crise econômica.

Governo interino é contestado

A conversa entre Washington e Bagdá é feita por meio de videoconferência. Do lado da opinião pública iraquiana, a retomada das discussões entre os dois países divide. Se alguns veem o debate como primordial, outros não o consideram importante.

"Eu acho que é o momento é perfeito e espero que será a ocasião de desarmar todos os grupos que não estão sob a autoridade do governo", afirma Hussein, um iraquiano vindo de Kerbala.

Já para Ali, nascido em Bagdá e morador da capital, esse tipo de discussão não deveria acontecer no momento em que o governo acaba de ser formado. "Eu acho que o timing não é bom. O governo tem apenas dois meses de existência! Eu não acredito que ele seja qualificado para negociar com o americanos. Além disso, trata-se de um governo interino. Porque eles negociam com os americanos", se irrita.

Independentemente da legitimidade do novo governo, poucos têm esperança de que uma solução seja encontrada em apenas um dia de discussões. "Não acredito que haverá resultados concretos. E mesmo se tiver um acordo, o governo terá que trabalhar para alcançar os resultados. E não creio que isso possa ser feito por um governo interino", comenta Mohammed, que vive no sul do país.

"Governo iraquiano vai querer manter as forças americanas"

Washington garante que Bagdá quer que as tropas dos Estados Unidos continuem em seu território para apoiar a luta contra o grupo Estado Islâmico (EI). "Estou convencido de que o governo iraquiano vai querer manter as forças americanas e a coalizão internacional" contra o EI, disse na quarta-feira (10) o general Kenneth McKenzie, chefe das forças dos Estados Unidos no Oriente Médio. "Estamos no Iraque para derrotar o EI definitivamente e a ajudar o Iraque a conseguir sua vitória final contra eles", acrescentou McKenzie.

"Quando novas ameaças surgem no horizonte, incluindo a pandemia, a queda dos preços do petróleo e um grave déficit orçamentário, é imperativo que o Iraque e os Estados Unidos discutam como se preparar para um futuro mutuamente vantajoso", completou nesta quinta-feira o secretário de Estado americano, Mike Pompeo.

De fato, a coalizão liderada pelos Estados Unidos tem apenas três bases no Iraque, contra uma dúzia antes. Mas uma redução drástica no número de soldados parece improvável, à medida que a ameaça jihadista persiste na região.

Mas, a longo prazo, esse o "diálogo estratégico" poderia garantir contratos americanos nos setores da construção e energia, bem como ajudas do Golfo e do Banco Mundial.