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Prisão de Queiroz agrava crise no clã Bolsonaro e expõe relações com milícias

19/06/2020 06h15

Oposição espera que ex-assessor esclareça escândalo das rachadinhas e proximidade da família com milicianos. Ação da polícia veio numa semana de desgaste para o governo com troca no MEC e derrota no STF

Raquel Miúra, correspondente da RFI em Brasília

O presidente Jair Bolsonaro e os filhos dele tentaram minimizar os impactos da prisão de Fabrício Queiroz, mas nos corredores políticos de Brasília a avaliação é de que a operação contra o ex-assessor de Flávio Bolsonaro tem impacto muito negativo no Planalto e reflexos mesmo imprevisíveis para o futuro da atual gestão.

Figura já até caricatural da política brasileira, com o jargão 'Cadê o Queiroz?' popularizado por adversários do governo, o ex-policial militar amigo do clã Bolsonaro foi encontrado em circunstâncias que levantam ainda mais indagações: estava na casa do advogado de Flávio, Frederick Wassef, que já defendeu o próprio presidente.

"É gravíssimo o fato de Queiroz ter sido encontrado na casa do advogado pessoal de Bolsonaro. E também é extremamente grave que o país siga à deriva. A principal preocupação do presidente da República não é com saúde do povo no meio dessa pandemia, com a garantia de uma melhor educação ou com os empregos dos brasileiros. Mas ao contrário: é proteger sua família e seus amigos da polícia, contando para isso com a conivência do seu advogado pessoal. É gravíssimo esse fato", afirmou o líder do PSB na Câmara, deputado Alessandro Molon (RJ)

Queiroz não era um foragido da Justiça porque contra ele não havia mandado de prisão anterior à ação dessa quinta-feira, mas seu paradeiro era desconhecido desde que vieram à tona as acusações de que ele comandava um esquema de recolhimento de parte dos salários dos funcionários do gabinete de Flávio, então deputado estadual. Queiroz é apontado também como suposta ponte da família com milicianos no Rio de Janeiro. O ex-assessor chegou a ficar internado num hospital em São Paulo, cuja conta foi paga com dinheiro vivo, e deu na época uma entrevista a uma TV, mas depois sumiu de novo.

Esclarecimentos

Para opositores do governo, ele pode esclarecer muita coisa envolvendo o presidente e seus filhos. "A prisão de Fabrício Queiroz é uma peça importantíssima na possível relação entre a família Bolsonaro e a organização das milícias do Rio de Janeiro. Foi Fabrício de Queiroz que apresentou o matador, chefe do escritório do crime Adriano da Nóbrega à família Bolsonaro, que levou seus parentes a trabalharem como funcionários fantasmas dentro do gabinete do então deputado Flávio Bolsonaro", disse o deputado Marcelo Freixo (PSOL/RJ)

O parlamentar também se lembrou do fato que liga a família de Queiroz ao gabinete do então deputado e hoje presidente, Jair Bolsonaro. "A filha do Fabrício Queiroz foi funcionária fantasma do então deputado Jair Bolsonaro. Trabalhava como personal trainer no Rio de Janeiro e repassou 80% do seu salário para o seu pai. São investigações fundamentais que podem revelar muita coisa entre a família Bolsonaro, uma relação criminosa na gestão de seus gabinetes e também com as milícias do Rio de Janeiro".

O líder do governo na Câmara, deputado Major Victor Hugo (PSL/GO), defendeu as apurações do caso não apenas contra Flávio Bolsonaro, mas contra demais acusados do suposto esquema de rachadinhas e disse que o presidente não tem com o que se preocupar:

"O nosso desejo é que as investigações que se voltam para eventos ocorridos na Assembleia do estado do Rio de Janeiro atinjam de maneira igual, com o mesmo rigor, imparcialidade, transparência e isenção a todos os citados no relatório do Coaf. O governo Bolsonaro seguirá em frente pela preservação das vidas dos brasileiros e de seus empregos, até porque essas investigações não atingem em nada as ações do presidente Jair Bolsonaro no passado."

Bolsonaro defende Queiroz

O presidente Jair Bolsonaro só comentou o assunto na noite dessa quinta-feira (18) depois de um dia de reuniões com vários ministros. Ele tentou se afastar do caso, mas defendeu Queiroz, que conheceu quando os dois eram integrantes do Exército.

"Deixo bem claro: não sou advogado do Queiroz e não estou envolvido nesse processo. Mas o Queiroz não estava foragido e não havia nenhum mandado de prisão contra ele. E foi feita uma prisão espetaculosa. Parecia que estavam prendendo o maior bandido da face da Terra. Mas que a Justiça siga seu caminho".

Numa transmissão ao vivo pela internet, o presidente não comentou o fato de Queiroz ter se abrigado numa casa que pertence ao advogado Wassef, que hoje é próximo da família. Wassef, perguntado pela imprensa em situações anteriores, chegou a dizer que não sabia do paradeiro de Queiroz quando o ex-assessor já ocupava sua casa em Atibaia, São Paulo, onde foi preso pela polícia civil.

"Repito: não estava foragido e não tinha manado de prisão contra ele. Tranquilamente, se tivesse pedido ao advogado, creio eu, acredito, o comparecimento dele a qualquer local, ele teria comparecido. Por que estava naquela região de São Paulo? Porque é perto do hospital de onde faz tratamento de câncer", disse o presidente Bolsonaro.

Flávio Bolsonaro, comentou o assunto logo cedo pelo Twitter afirmando que encara com tranquilidade os acontecimentos e que a verdade prevalecerá. "Mais uma peça foi movimentada no tabuleiro para atacar Bolsonaro. Em 16 anos como deputado no Rio nunca houve uma vírgula contra mim. Bastou o Presidente Bolsonaro se eleger para mudar tudo! O jogo é bruto!", afirmou também o filho do presidente.

Refúgio no centrão

Nesse dia tenso, o presidente se reuniu com seus novos amigos, políticos do centrão - grupo de vários partidos sem ideologia definida que dá apoio em troca de cargos. Eles já conseguiram vários postos em órgãos federais e nessa quinta, quase 22h em Brasília, saiu uma edição extra do diário oficial garantindo mais um posto para o grupo, uma secretaria na Agricultura.

O presidente busca refúgio na velha política que tanto criticou com vistas a formar uma base no Congresso e afastar o risco de impeachment, em pedidos que pousam na mesa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Alguns partidos de oposição, como PDT, PSB, Rede, PPS, PV lançaram o movimento "Janelas para a Democracia" em que pedem a saída do presidente e tentam angariar apoio popular para forçar Maia a pautar o assunto. Eles sabem que não é fácil já que são necessários dois terços da Câmara e o centrão pode representar talvez metade dos deputados.

O ex-governador Ciro Gomes (PDT/CE) acha que a postura do presidente na crise e o apoio dele a movimentos antidemocráticos já corroboram juridicamente os pedidos.

"Os terríveis crimes que Jair Bolsonaro tem cometido contra o Brasil e especialmente contra o povo brasileiro precisam ser punidos o quanto antes, antes que ele acabe de destruir a nossa grande nação. Mais de 45 mil brasileiros já perderam a vida em função da sua irresponsabilidade criminosa no enfrentamento da maior crise de saúde pública da nossa história. Milhões de empregos e milhões de empresas estão sendo destruídos e fechados no nosso país, sem mesmo um plano que não considera sequer a maior destruição da saúde pública nas nossas contas nacionais."

Para Gomes, o governo e seus apoiadores endurecem o discurso contra outros poderes como estratégia de guerra política, para justificar o uso de armas não democráticas.

 "É a produção artificial de uma crise política em que, sistematicamente por si e por uma certa gangue que o cerca, Jair Bolsonaro atenta contra a autonomia dos poderes da República e a democracia, promove a apropriação de instituições para a proteção dos seus crimes, de sua família e dos seus amigos. Enfim, a parte jurídica do processo de impeachment de Bolsonaro está pronta e as provas são absolutamente robustas", afirmou o ex-governador.

Mudança no MEC

A prisão de Queiroz coloca mais lenha nessa fogueira e fica a expectativa do que pode vir agora das investigações que tem o ex-assessor como foco. E tudo numa semana que já era complicada para o governo, com o Supremo Tribunal Federal confirmando que o inquérito das Fake News é legítimo e seguirá adiante - algo que preocupa o planalto porque atinge apoiadores e pode chegar aos filhos do presidente. Além disso, o presidente, contrariado, demitiu Abraham Weintraub do Ministério da Educação.

Ele entrou para o governo no lugar de Ricardo Vélez e conseguiu a proeza de acumular mais críticas e problemas que o antecessor. Com erros crassos de português exibidos em redes sociais, contendas diretas com estudantes, frases polêmicas como aquela que poderia ter lhe rendido até prisão ao defender cadeia para integrantes do STF, ele mais causou tumulto do que ação efetiva numa pasta importante. E para coroar a gestão de críticas e gorda dose de ideologia, pouco antes de sair Weintraub revogou uma portaria que implantava o regime de cotas raciais na pós-graduação de instituições federais.

Em vídeo ao lado do presidente, ele comunicou a saída, sem explicar as razões dela e, ao fim, pediu um abraço a Bolsonaro. Weintraub assumirá uma vaga do Brasil do Banco Mundial. Entre os cotados para substituí-lo no MEC está o atual secretário nacional de Alfabetização, Carlos Nadalim, que, se confirmado, mantém a linha ideológica à frente da pasta.