Topo

Ofensiva de Pequim sobre Hong Kong: "A ideologia comunista não mobiliza mais"

06/07/2020 06h06

O governo chinês retirou todos os livros sobre democracia das livrarias e bibliotecas de Hong-Kong. É mais um passo para liquidar as liberdades e o estado de direito da cidade. Pequim decidiu pura e simplesmente anexar definitivamente a antiga colônia britânica, a revelia dos tratados internacionais e da própria Constituição local. Essa "região administrativa especial" funcionava na base do princípio de "um país, dois sistemas", uma porta incomparável da China para a economia global. 

A segurança jurídica e o sistema democrático da ex-colônia atrai capitais do mundo inteiro. E a Bolsa de Hong Kong é a mais importante da Ásia-Pacífico. É mais fácil investir na China continental passando pelas facilidades da cidade. E dirigentes do PCC chinês também a utilizavam para exportar dinheiro ou negociar com resto do mundo. Como explicar a decisão de matar tamanha galinha dos ovos de ouro?

Na verdade, o partido comunista chinês está com medo. Medo de perder o controle de uma população de um bilhão e trezentas milhões de pessoas. A ideologia comunista não mobiliza mais. A única legitimidade do governo passa pela promessa de crescimento econômico que justificaria o pesado regime autoritário.

Queda do PIB é uma ameaça ao poder

Protestos e manifestações no país continuam pipocando, mas tudo é muito localizado, já que a classe média do "milagre chinês" aceitou o toma-lá-dá-cá do Partido. Mas a queda do PIB ameaça diretamente o poder comunista. Ainda por cima com as redes sociais que apesar da censura brutal, abriram várias frestas para se inteirar da vida no resto mundo.

As manifestações multitudinárias de uma grande maioria dos habitantes de Hong Kong, defendendo a democracia e denunciando o autoritarismo de Pequim, estava se tornado uma ameaça insidiosa para o PCC. Sobretudo agora que o crescimento econômico chinês vem degringolando e perdendo ainda mais fôlego com as consequências da epidemia de coronavírus e da guerra comercial com os Estados Unidos.

Nos últimos anos, o PIB "oficial" do país foi dividido por dois - e provavelmente mais ainda. A Covid-19 foi o prego no caixão. Não só porque a China teve de confinar milhões de pessoas e enfrenta agora um novo surto, mas também porque o mundo ocidental descobriu o perigo de depender demais das cadeias de valor industrial chinesas.

Na Europa, nos Estados Unidos e nos países democráticos da Ásia e do Pacífico a palavra de ordem é "diversificar": voltando a produzir em casa, ou bem espalhando as capacidades produtivas por várias outras regiões do mundo.

Ora, o sucesso econômico da China está atrelado à sua condição de maior "fábrica do mundo", extremamente dependente dos clientes estrangeiros. Portanto, a crise atual ameaça secar boa parte das cadeias produtivas chinesas. E a crise econômica está virando uma crise política.

Acossados, Xi Jinping e a cúpula do PCC reagem como sempre fizeram em situações de estresse: medidas brutais e sofisticadas de controle dos cidadãos, censura geral e propaganda massiva, e provocações militares para tentar criar uma onda nacionalista.

A marinha chinesa simplesmente ocupou o mar da China meridional sem o mínimo respeito pelos direitos dos outros Estados da região. Também acaba de montar uma escaramuça militar com Índia na fronteira do Himalaia, sem falar das ameaças diretas à Taiwan, da guerra comercial contra a Austrália, e do relançamento dos litígios marítimos com o Japão. Resultado: os países da região estão se juntando para barrar a agressividade chinesa.

É muito isolamento e muita areia, até para Xi Jinping. Sobretudo nesse momento de campanha eleitoral nos Estados Unidos com candidatos quase obrigados a ampliar ainda mais as medidas antichinesas.

O problema para o governo de Pequim é que não pode se dar o luxo de um confronto geral com a vizinhança e o mundo ocidental. Por motivos domésticos, Xi Jinping está numa sinuca perigosa, dentro e fora do país.

* O cientista político Alfredo Valadão publica suas colunas todas as segundas-feiras na RFI Brasil