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Reunião bilateral tenta reaquecer relação Brasil-França, abalada por atritos entre Bolsonaro e Macron

07/07/2020 15h14

Diplomatas de alto escalão dos governos da França e do Brasil realizaram uma reunião virtual na tarde desta terça-feira (7) para tentar aparar as arestas das relações bilaterais, abaladas há quase um ano. As trocas de farpas entre os presidentes Jair Bolsonaro e Emmanuel Macron no ano passado, iniciadas pelo aumento do desmatamento da Amazônia, deixaram sequelas no ambiente de negócios entre os dois países e podem comprometer o futuro do acordo comercial União Europeia-Mercosul.

A conversa foi liderada pelo secretário brasileiro de Negociações Bilaterais no Oriente Médio, Europa e África, Kenneth da Nóbrega, e o francês Philippe Errera, diretor-Geral de Assuntos Políticos e de Segurança.

O embaixador do Brasil em Paris, Luís Fernando Serra, participou da reunião e avalia que o clima voltou a ser propício ao diálogo. Ele espera a abertura de "uma nova página na cooperação histórica entre o Brasília e Paris, e lembra que os franceses somam 37 bilhões de dólares investidos no Brasil".

"O Itamaraty sempre teve consciência da importância desses investimentos, da criação de empregos que eles proporcionaram e da trajetória do nosso relacionamento bilateral, de 200 anos, oficialmente. Temos com a França uma relação de afeto, estima e fascinação recíprocas", afirmou o diplomata. "Os franceses continuaram investindo no Brasil. No ano passado, o fez em duas operações de 10 bilhões de dólares. Neste ano, vejo companhias como a Suez decididas a participar das oportunidades oferecidas pelo marco regulatório do saneamento. Temos a EDF muito interessada em concluir a construção de Angra 3, e a Total desejosa de ampliar os seus investimentos no Brasil. Quer ter no país 10% das suas reservas mundiais", explicou.

Clima de negócios abalado

Consultores especializados nos dois mercados ouvidos pela RFI confirmam que o interesse dos franceses pelo Brasil permanece - mas avaliam que a implementação de novos negócios sofreu com o distanciamento político entre as duas nações. É o que conta o advogado Charles-Henri Chenut, que atua na implementação de empresas francesas em solo brasileiro.

"O problema é que, sem um apoio político, os negócios não andam de uma maneira certa. O apoio político não faz tudo na área do comércio, mas facilita as coisas", frisa. "As comunidades empresariais reagiram, tanto no Brasil, quanto na França, para pedir que os dois governos melhorassem as relações bilaterais."

Durante este último ano, Florian Gourcy, da Brésil Consulting, sentiu mais impacto em áreas estratégicas, como alta tecnologia e defesa, nas quais o relacionamento de confiança entre os governos é fundamental. "Tecnologias mais sigilosas, que se tratam entre países, tiveram uma retração de negócios, uma pausa. Alguns negócios foram suspensos", indica Gourcy.

Empresários anti-França nas negociações

O franco-brasileiro, que divide a vida entre os dois países há mais de 20 anos, conta que a animosidade também se expressou por alguns empresários apoiadores de Bolsonaro. Segundo ele, os mais fiéis ao presidente adotaram um tom de desprezo em relação à França, nas conversas. Mas a posição política, no entanto, não levou ao cancelamento de oportunidades.

"Na prática, o que mais vale, para a maioria dos empresários, é o dinheiro, o faturamento. Não conheço nenhum empresário nem francês, nem brasileiro, que vai se recusar a fechar um negócio se ele lhe traz vantagens", sublinha.

É por isso que, entre grandes empresas já instaladas no país, as rusgas entre Macron e Bolsonaro foram irrelevantes, a exemplo do setor do varejo, que conta com duas gigantes francesas instaladas no Brasil, Carrefour e Casino. "O cronograma de investimentos do grupo Casino, chamado de GPA no Brasil, não foi afetado. Pelo contrário: o grupo Casino inclusive está tentando se adequar às novas segmentações do mercado brasileiro, planejando a abertura de várias lojas, em diversos Estados", destaca Jean-Yves Carfantan, economista e consultor em agronegócio.

Menina dos olhos: privatizações

A mesma movimentação foi percebida por Charles-Henri Chenut. Ele nota que negócios de grande porte, como fusões e aquisições, até se acentuaram nos últimos meses. E a menina dos olhos são as privatizações, prometidas pelo governo Bolsonaro.

"Tem uma competição muito forte entre as empresas espanholas, italianas e alemãs, que se posicionaram no Brasil à espera do mercado público, com o programa de privatizações. Seria uma pena a França não estar lá, afinal temos uma competência muito grande em áreas como energia e construção, entre várias outras", diz o advogado.

Por outro lado, os analistas confirmam que a questão ambiental, foco da animosidade entre os dois presidentes, tende a comprometer cada vez mais as parcerias internacionais com o Brasil. Em junho, um poderoso grupo de 29 fundos de investimentos estrangeiros enviou uma carta para a diplomacia brasileira para pedir mais comprometimento do país no combate ao desmatamento e proteção dos povos indígenas. Foi a terceira vez em um ano que companhias internacionais se pronunciaram nesse sentido.

"Tem vários fundos de investimentos que, devido a regulamentações próprias, não podem estar presentes em países onde você tem uma política de preservação ambiental equivocada. Isso vai impactar, sim", insiste Carfantan, que acumula mais de 30 anos de experiência no setor. "Vejo vários movimentos do agronegócio brasileiro mais esclarecidos, dizendo que não podemos continuar assim porque estamos cavando o poço onde vamos cair", pontua o fundador da Istoebresil.

Acordo UE-Mercosul

Na semana passada, na sequência das eleições municipais francesas que consagraram os ecologistas, o presidente Macron voltou a afirmar que não firmaria acordos comerciais com países que desrespeitassem o Acordo de Paris sobre o Clima. Na União Europeia, parlamentares de vários países pressionam para que o tratado do bloco com o Mercosul não seja ratificado, alegando razões ambientais.

Neste contexto já desfavorável, Carfantan observa que a pandemia de coronavírus deve piorar essa perspectiva. "Tem várias coisas que podem fazer com que esse acordo vá para o brejo. Tem as questões entre a França e o Brasil e do desmatamento. Mas acho que, agora, o protecionismo agrícola vai encontrar uma nova justificativa: a ideia de que temos que produzir e criar circuitos curtos, produzir local para atender a demanda local", adverte. "Pode ser um novo filão para agricultores europeus e, no futuro, gerar regulamentações que dificultem as importações."

O embaixador brasileiro rebate que a visão de que "Bolsonaro é antiambientalista só está na cabeça da imprensa de esquerda". Luís Fernando Serra destaca a Operação Verde Brasil, realizada pelas Forças Armadas para combater focos de queimadas.

"Não é uma política de Estado desmatar. Não se mudou uma vírgula do Código Florestal", alega. "O presidente Bolsonaro, graças a essa preocupação que ele tem, está viabilizando a operação Verde Brasil, para impedir o desmatamento ilegal."

Serra reconhece que o acordo entre os blocos está ameaçado, mas afirma que "todos perderiam" com o fracasso do tratado. O diplomata lembra que, com o pacto, os europeus deixariam de pagar 4,5 bilhões de euros em tributos para exportar para o Mercosul.