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Desmatamento ilegal da Amazônia é fruto da política de enfraquecimento dos órgãos ambientais, dizem especialistas

07/08/2020 10h40

No mês do julho, o desmatamento da Amazônia aumentou quase 30% em comparação com o mesmo período de 2019. Em um ano, mais de 9.000 km2 de floresta foram destruídos, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Um fenômeno em parte devido ao enfraquecimento dos órgãos ambientais. 

Sarah Cozzolino, correspondente da RFI no Brasil

No prazo entre 15 a 30 anos, a Amazônia poderia se tornar uma "savana degradada". A conclusão do presidente do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, Carlos Nobre, é assustadora. Segundo o climatologista, já há sinais crescentes que indicam que o processo está em curso no Sul da Amazônia. Ele cita como exemplos o aumento da duração da estação seca, com um aumento de 3°C na temperatura de 3°C durante esse período, uma menor reciclagem de água pela floresta, e o aumento da mortalidade das espécies de árvores de clima úmido.

Um artigo publicado na revista Science no mês de julho revela que um quinto da soja e da carne bovina exportadas para a União Europeia podem ter ligações com o desmatamento na Amazônia.

Raoni Rajão, um dos 12 pesquisadores que assinaram o estudo, ressalta que somente 2% dos produtores são responsáveis por mais de 60% de todo o desmatamento ilegal que vem acontecendo na Amazônia e no Cerrado. "O Brasil pode aprimorar o sistema de monitoramento", explica o professor de gestão ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais, "integrando as imagens dos sistemas de monitoramento desenvolvidas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que são excelentes, com dados do imóvel rural, dados de movimentação do gado e dados de área de soja para identificar aqueles que estão descumprindo a legislação", detalha o pesquisador.

Militarização da gestão ambiental

Desde o início do ano, o exército brasileiro está tomando conta da luta contra o desmatamento na Amazônia através da operação Garantia da Lei e da Ordem. Chamada de "Verde Brasil 2", a iniciativa levou milhares de militares para a floresta, com um custo de R$ 60 milhões no mês de junho. Um valor quase equivalente ao orçamento anual do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em 2020.

Mesmo assim, o aumento do desmatamento foi maior que o dos anos anteriores. "Algo não está funcionando", aponta Carlos Nobre. O cientista lembra a importância de articular a presença militar com o trabalho dos órgãos ambientais. "Uma ação que se mostrou muito efetiva para conter o crime ambiental na Amazônia, foi destruir os equipamentos utilizados pelos criminosos, apreendidos nas operações de fiscalização. Mas o presidente brasileiro e o ministro do Meio Ambiente se manifestaram frontalmente contra esse tipo de ação no ano passado. E o Exército não explica claramente o que está fazendo com as máquinas apreendidas."

Elizabeth Uema, secretária executiva da Associação dos Servidores Ambientais Federais (Ascema) denuncia o "absurdo" da operação pontual do Exército, a um custo operacional tão elevado. Ela critica o fato que os órgãos ambientais estão sendo submetidos ao comando do Exército brasileiro, que "não tem expertise na área ambiental para tomar esse tipo de tarefa para si" e, consequentemente, dirige operações ineficientes.

Elizabeth Uema trabalhou 28 anos no Ibama, e conta que hoje o instituto não tem nem orçamento nem funcionários suficientes. "O que já era pouco, ainda deve ter corte de 20 à 25% no ano que vem, diz. O Ibama está perdendo verba desde 2016", diz.

Antiministro do Meio ambiente

Para Carlos Nobre, o "enfraquecimento das ações dos órgãos ambientais" é responsável pelo aumento do desmatamento ilegal, junto com o "discurso político e ideológico do governo federal atual de apoiar um modelo econômico que acelera o desmatamento".

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, conhecido por ser próximo da bancada ruralista, substituiu várias pessoas experientes dos institutos de proteção ambiental por militares sem experiência na área. Um "antiministro do Meio ambiente que atua claramente no sentido de desmontar a área a qual deveria proteger", diz Uema. Ela lembra que desde o início de sua gestão, Salles só se reúne com a base ruralista do governo, que são os grupos interessados na flexibilização das normas ambientais.

Depois das recentes pressões econômicas nacionais e internacionais, o vice-presidente, Hamilton Mourão, que lidera o Conselho da Amazônia, prometeu frear o ritmo do desmatamento até 2022.

"A questão do desmatamento na Amazônia nunca foi tão central desde o final da década de 80", aponta Raoni Rajão. Os consumidores europeus estão cada vez mais exigentes em relação aos produtos que compram. Não querem adquirir produtos de áreas desmatadas ilegalmente, e o setor econômico entendeu isso.

"O grande valor econômico da Amazônia está nas milhares de espécies da sua imensa biodiversidade", ressalta Carlos Nobre. O cientista conclui : "É este modelo que nós temos que buscar : uma bioeconomia de floresta em pé."